Um homem de bem como existem poucos |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 190
- Com sua licença, Coronel.
Quantas vezes ouvira aquela frase?
Natário agia com sua licença e com absoluta correção. Jamais abusara ou se prevalecerara.
O Coronel balançou a cabeça de acordo,
acrescentou:
- Tu cuida de minhas terras e zela por
meu nome. Administrador capaz e responsável, Natário proporcionou ao coronel
Boaventura Andrade cacau superior - nem uma só arroba good ou regular - e em
quantidade bem maior que a calculada pelos entendidos: ao verificar os números,
o doutor Clóvis Bandeira, o citado engenheiro-agrônomo, ficara de queixo caído,
felicitara o fazendeiro.
Proprietário, cacauicultor, oficial da
Guarda Nacional com a
Patente de Capitão, nem assim Natário se
desleixava dos interesses do patrão: como se a Fazenda da Atalaia lhe
pertencesse, chão e benefícios.
Sem deixar de cuidar com idêntico capricho de
suas roças, simples fazendola na medida dos alqueires. Fazendola em outras mãos
que não as suas. Nas dele, capitão Natário da Fonseca, a Fazenda Boa Vista.
2
Sentado na cadeira de braços à cabeceira
da comprida mesa
da sala de jantar da casa-grande da
Fazenda da Atalaia, o coronel Boaventura Andrade percorreu com o olhar os
excelentíssimos senhores presentes, convivas escolhidos a dedo e, elevando a
voz, dirigiu-se a Natário.
Interrompendo sem cerimónia a eloquência
do Promotor Público de Itabuna que exaltava as iguanas: uma besta o Promotor!
- Tu é um homem direito,
compadre Natário. Declarou. Doutor Flávio Rodrigues de Souza, bom de acusação
no Tribunal do Júri, silenciou em meio à frase quando, estalando a língua, em
nome da justiça, classificava o sarapatel de manjar dos deuses.
Silenciaram todos os demais. O Coronel disse e
redisse para que não restassem dúvidas:
- Um homem de bem como existem poucos.
Para que todos os convidados - a nata de
Ilhéus e de Itabuna, de Sequeiro de Espinho e de Água Preta - soubessem quanta consideração
ele dispensava a quem a merecera por lhe ser leal e devotado durante mais de
vinte anos.
-
Quantos, compadre?
- Já passou dos vinte, Coronel.
Tu era um frangote mas eu logo vi que tu
merecia confiança. Tu nunca desmereceu nesse tempo todo. Afirmação
peremptória mas o Coronel ainda não terminara de falar e de ouvir:
- Me disseram que tu fez casa fora da
Atalaia onde vai morar com a comadre e os meninos. Tu pensa me deixar?
- Enquanto o Coronel for vivo e tiver
contente com meus préstimos, sou homem seu, cativo. Mas é verdade que vou morar
no meio do caminho entre a Atalaia e a Boa Vista.
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