quarta-feira, março 04, 2015

Tu agiu direito, compadre
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 189















O CORONEL BOAVENTURA ANDRADE PROPÕE UM BRINDE COM CACHAÇA

1

Bastaram uns poucos burros, reduzida tropa, para conduzir naquele temporão o primeiro cacau da Fazenda Boa Vista.

Muitos foram necessários, tropa numerosa, para transportar a primeira colheita efetuada na mesma ocasião nas novas plantações do coronel Boaventura Andrade.

Ao fim das lutas a Fazenda da Atalaia dobrara em tamanho, não tardaria a duplicar, quem sabe a triplicar a produção.

Administrador das propriedades rurais do Coronel, Natário decidira e obtivera que as colheitas se iniciassem simultaneamente no pedaço de mata que lhe coubera em recompensa e na imensidão registrada por direito de conquista em nome do compadre e chefe no cartório em Itabuna.

Não colheu para si antes de colher para o Coronel.

Se a Boa Vista era um brinco, que dizer das glebas incorporadas à Atalaia? Nem as fazendas do coronel Henrique Barreto, o presumido rei do cacau, exibiam trato igual nem obtinham semelhante rendimento, apesar da presença permanente de um agrônomo com diploma de doutor e da técnica dos podadores, contratados na entressafra.

 Mateiros e alugados não brincavam em serviço, impossível fazê-lo sob as ordens do capitão Natário da Fonseca. Em troca, a paga nunca se atrasava e não se cometiam enganos nas contas semanais.

Tentativa de roubar mateiros e alugados houve uma única, não se repetiu. O sestroso Perivaldo, empregado responsável pelo pagamento do pessoal, uma espécie de contador, foi denunciado a Natário por alguns mais dispostos: estava somando de menos, subtraindo de mais nos créditos e débitos dos trabalhadores.

Constatada a veracidade da acusação, foi mandado embora mas não chegou longe. Apenas transpusera os limites da Atalaia serviu de pasto aos urubus: um único tiro, não valia mais.

- Era preciso? - Perguntou o coronel Boaventura a Natário ao comentar, a sós com ele, o acontecido: - Não chegava com uma surra?

- Pelo malfeito, sim; pela afronta, não.

- Afronta? Que conversa é essa?

- Pra se desculpar o peste ruim andou dizendo que foi vosmicê que mandou ele fazer. Além de ladrão, difamador.

- Filho de uma puta! Tirar de quem não tem, Deus me livre e guarde! Quem planta cacau não precisa roubar trabalhador.

Tu agiu direito, compadre.

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