A acreditar no que diziam à boca pequena... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 223
E, além do mais, contentava-se com qualquer
agrado, não costumava exigir mundos e fundos para assumir o fole e dele retirar
com os dedos hábeis a dádiva da música.
Cigano por ser nómada, hoje aqui , amanhã acolá, o acordeom ao ombro, distribuído
entre tantos caixa-pregos, o andarilho demonstrava evidente preferência por
Tocaia Grande, sítio bonito, um refrigério para os olhos, que ele conhecera nos
antanhos, muito antes da chegada do Turco Fadul.
Apenas Coroca, numa choça feita com
quatro palmas secas caídas de um pé de mané velho, acolhia tropeiros. Os
comboios mal começavam a abrir a trilha na mata para reduzir o tempo e as
léguas da jornada.
Nas idas e vindas, Pedro Cigano
assistira ao crescimento do lugar, as choupanas na Baixa dos Sapos, a carreira
de casas no Caminho dos Burros, o depósito de cacau, o armazém do turco, o galpão
de palha, o curral e a oficina.
Jamais imaginou porém que haveria de ver
roçados crescendo na outra margem do rio, olaria de telhas e tijolos, casa de
farinha, bichos de criação se multiplicando, soltos no descampado.
A casa do Capitão, essa não o
surpreendeu pois sempre o ouvira afirmar que mais dia menos dia viria viver
ali, com a família.
A
acreditar no que diziam à boca pequena e à socapa — ninguém era tão doido de
falar certas coisas em voz alta, o Capitão chegara antes de todos, antes mesmo
de ter patente e roça, quando não passava de um jagunço à frente de jagunços,
tendo a morte por serviço e companheira.
Naqueles idos, conversando com Coroca,
Bernarda colocara
Pedro Cigano no rol dos homens bonitos
de Tocaia Grande; ele, Fadul, Bastião da Rosa e o próprio Capitão.
Não figurava o nome de Castor Abduim,
pois o ferreiro ainda não dera as caras por ali. A fama de bonito não lhe
adviera apenas da lembrança da moleca, muitas outras quengas corroboravam na
mesma opinião: era extensa a lista de xodós do sanfoneiro, rabichos espalhados
na vastidão do rio das Cobras, onde quer que existisse meia dúzia de barracos,
putas exercendo o ofício, avidez de carinho, solidão.
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No balcão do turco, Pedro Cigano soube
incontinenti pela boca do caixeiro Durvalino da acirrada contenda que opunha o negro
Tição ao loiro Bastião da Rosa - Bastião da Rosa, recordou-se, figurava na
lista de Bernarda - e do provável desfecho trágico previsto por
Vosmicê-Vai-Ver.
Pedro Cigano levara um tempão sem vir a
Tocaia Grande, animando forrós durante uma Santa Missão em Lagoa Seca ,
Corta-Mão e ltapira: tinha um frade
alemão, porreta no arrazoado das penas do inferno e na esganação, não havia
comida que lhe desse abasto, para fazer-lhe frente só mesmo o padre Afonso, se lembra
dele?
Apontou para a construção na outra margem
do rio, quase pronta:
- Aqui lo
ali, o que é?
- A casa de farinha de Ambrósio e Zé dos
Santos – Esclareceu Fadul: - Vai ter farinha de fartura.
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