quarta-feira, abril 22, 2015

A morte com pés de veludo...
Agora já não morro...

A vida é que me vai

deixando...















A partir de uma certa idade já não se morre... a vida é que nos vai deixando, progressiva e lentamente, a um ritmo cada vez maior à medida que se avança e nada tem a ver com doenças, apenas com perdas de vitalidade. É um processo muito engenhoso de que a natureza se socorreu para atenuar o desgosto da morte.

Sei lá, é um desgaste do corpo, uma coisa por dentro de nós que não acontece em todos os órgãos ao mesmo tempo. Parece que começamos com os óculos aos 50 anos e depois vai-se por aí fora... As células que se renovam periodicamente já não o fazem com o mesma rapidez, cuidado e atenção.

Sempre me fizeram lembrar o dono de um automóvel novo acabadinho de sair do stand: ele são lavagens, polidelas e qualquer toque, pequenino que seja, aí vamos a fugir à oficina para repor tudo impecável e rapidamente.

Com os anos a natureza fica descuidada com o nosso corpo tal como os donos dos automóveis novos que passados anos de os terem já não correm para as oficinas à mínima razão de queixa.

Olho para as costas das minhas mãos: durante anos e anos, a um ritmo que desconheço, a pele foi reposta sem que me apercebesse de qualquer alteração. A partir de um determinado momento, já não me lembro quando, é o que se vê: pequenas manchas castanhas dispersas ao acaso, umas maiores outras mais pequenas, a merecer justificadas reclamações.

Felizmente, sou uma pessoa com sorte, vivo no Século XXI, com próteses e comprimidos de toda a espécie para enganar a idade, a perda de faculdades, o desgaste dos órgãos e nos darem esta maravilhosa sensação de juventude.

Na Idade Média, independentemente da classe social a que se pertencia, andávamos sujos e mal cheirosos, poucos eram os que tinham dentes e se possuíam alguns, estavam partidos ou podres, o hálito era insuportável e em muitos as marcas da varíola cobriam-lhes o rosto.

Mesmo num castelo feudal ou num paço senhorial as condições de vida eram muito piores do que numa pensão dos nossos dias por muito rasca que ela seja.

As paredes não tinham revestimento e os edifícios eram escuros, húmidos e frios. As camas eram ninhos de pulgas e percevejos. Começava-se a viver a vida adulta na adolescência, quando não era na infância, e aos 30 anos era-se velho.

A natureza dos nossos corpos era a mesma de hoje mas o processo de desgaste e envelhecimento era terrível.

Na nossa Europa, mil anos atrás, os nossos conterrâneos praticamente não comiam e não era porque tivessem falta de apetite ou andassem preocupados com a linha. Simplesmente não tinham que comer...  o que lhes faltava era a comida!

Só se comia o que era produzido localmente e esse pouco ia parar às mãos dos senhores locais.

Eu sei que aos 76 anos a minha natureza acusa os efeitos da idade mas ela não se pode queixar que eu lhe tenha dado maus tratos e todo o mérito, na sua quase totalidade, vai para a época em que vivo e isso foi obra do acaso, para além da outra, que foi  a sorte de ter nascido.

Agora, a maioria só morre porque a vida os vai deixando, cansa-se, desinteressa-se, de tanto se renovar, abandona-nos e nós, incapazes de a segurar, deixamo-la ir perfeitamente conformados.

Contas feitas não lhe devemos nada...  nem ela a nós.

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