segunda-feira, abril 13, 2015

Carpinteiro, vírgula! Dobre a língua, sou mestre marceneiro.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 222



















Ou, em último caso, na porrada como já havia sucedido. No desumano universo do cacau, Tocaia Grande se tinha má fama era imerecida. Lugar pacífico, seguro ponto de pernoite: vista amena, algum dinheiro, pagode fácil.

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Durvalino não se contentou em prever inevitável sarilho em consequência da disposição com que Bastião da Rosa e Castor
Abduim buscavam conquistar as boas graças da donzela Diva: marcou data e lugar para o tira-teima.

Aconteceria certamente no Domingo, durante o fovoco anunciado para comemorar a presença em Tocaia Grande da mulher de Lupiscínio, cidadão merecedor.

A mulher de Lupiscínio, dona Ester, deslambida, enjoada, cabide de mazelas, não era dada a festas, nem sequer dançava. Sua diversão maior consistia em conversas com os vizinhos para comentar doenças e discutir a eficiência de mezinhas estrambóticas e de rezas infalíveis.

Durante anos dona Ester recusara-se a morar em Tocaia Grande, deixando-se ficar em Taquaras enquanto o marido e filho labutavam sem descanso nos cafundós do mundo.

 Por fim, notando que Lupiscínio rareava as idas à estação, mandando-lhe pelos tropeiros e por muito favor o necessário para as despesas, decidira vir passar uns dias com o ingrato e botar a bênção no rapazola - um menino quando acompanhara o pai para aprender com ele o ofício de carpina.

Habilidoso e aplicado, Zinho pretendia chegar a marceneiro e retificar como fazia mestre Guido:

 - Carpinteiro, vírgula! Dobre a língua, sou mestre marceneiro.

Dona Ester não era de danças mas nem por isso o povo do lugar iria deixar de festejá-la. A ideia do arrasta-pé partira, aliás, do negro Tição, chegado, como por demais se sabe, a uma festinha, fosse qual fosse a natureza e o objectivo.

Sobretudo naquela ocasião: aproveitaria para tirar a limpo o que lhe era cada vez mais obscuro - para qual dos dois postulantes se inclinava a preferência de Diva, se é que havia preferência.

 Difícil de saber tratando-se de criatura tão mutável e caprichosa: ora oferecida em riso, ora de sobrolho carregado, a cara amarrada, ar de zanga.

Decidiu sozinho sobre a realização da festa, sem consultar a mais ninguém ao ver assomar no Caminho dos Burros a figura sempre bem-vinda de Pedro Cigano. Tratando-se de forró, quem iria se opor?

Há muito Pedro Cigano deixara de ser o único e adulado sanfoneiro a animar os dançarás do povoado. Aos domingos apareciam outros, acompanhados de violeiros e de tocadores de cavaquinho e gaita. Mas ainda consideravam-no o melhor de todos, sem contestação.

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