quarta-feira, abril 15, 2015

O Amor Romântico

e a Religião













Helen Fisher, uma das mais reputadas antropólogas norte-americanas, Profª. na Rutgers University, chama a atenção para uma evidência que é a desproporcionada dimensão dos nossos sentimentos amorosos comparado com o que seria o estritamente necessário.

Vejamos, do ponto de vista de um homem, por exemplo, é pouco provável que uma mulher sua conhecida seja cem vezes mais encantadora do que a sua concorrente mais próxima e, no entanto, é assim que ele provavelmente a descreve quando está apaixonado por ela.

Seria mais racional uma qualquer espécie de “poliamor” do que esta devoção fanaticamente monógama a que somos tão susceptíveis.

Aceitamos perfeita e alegremente amar mais que um filho, gostar de mais que um vinho, uma música, um livro ou um desporto, etc., mas não achamos estranho a total exclusividade que esperamos do amor conjugal.

Porquê? Tem de haver uma razão.

Hellen Fisher e outros demonstraram que o estar apaixonado se faz acompanhar de estranhos e invulgares estados cerebrais que incluem a presença de químicos que actuam no sistema neurológico, verdadeiras drogas naturais características desse estado.

Os psicólogos da evolução concordam que este comportamento irracional pode ser um mecanismo que assegura a fidelidade de um co-progenitor o tempo suficiente para criarem juntos a criança.

Do ponto de vista darwiniano, é importante escolher um bom parceiro mas depois da escolha estar feita, mesmo que ela seja má, é mais importante assumir a escolha e arrostar com todas as adversidades, pelo menos até a criança estar desmamada.

Será a religião irracional um subproduto dos mecanismos de irracionalidade, que por via da selecção, foram originariamente incorporados no cérebro com vista ao enamoramento?

É verdade que a fé religiosa tem aspectos em comum com o enamoramento e ambas têm muitas das características da euforia induzida por uma droga viciante, no entanto, o neuropsiquiatra John Smythies adverte que existem diferenças significativas entre as áreas do cérebro activada pela religião e o enamoramento, mas também observa algumas semelhanças.

Uma das muitas facetas da religião é o amor intenso centrado numa pessoa sobrenatural, ou seja, em Deus, acompanhado pela veneração de ícones (palavra que vem do grego “eikon” e significa imagem) dessa pessoa.

A vida humana é, em grande parte, impelida pelos nossos genes egoístas e por processos de reforço e este é grande no caso da religião: sentimentos reconfortantes e calorosos por sermos amados e protegidos num mundo perigoso, pela perda do medo da morte, auxílio vindo não se sabe de onde em resposta a preces em tempos difíceis, etc.

Da mesma maneira, também o amor romântico por outra pessoa apresenta a mesma concentração intensa no outro e reforços positivos correlacionados.

Também estes sentimentos podem ser desencadeados por íconos da pessoa amada: cartas, fotografias, madeixas de cabelo para além de se fazer acompanhar de manifestações fisiológicas como, por exemplo, suspirar longa e repetidamente.

Esta semelhança numa relação de amor por outra pessoa e por Deus está bem patente no relato de um padre católico sobre os seus primeiros tempos de sacerdócio em que recorda a exaltação dos primeiros meses em que teve o poder de rezar missa:

-“ Normalmente lento e preguiçoso a levantar-me de manhã, agora saltava cedo da cama bem desperto e muito entusiasmado só de pensar no momentoso acto em que tinha o privilégio de desempenhar…”

- “ O tocar o corpo de Cristo, a proximidade entre o padre e Jesus, era o que mais me fascinava. Olhava fixamente para a hóstia, depois das palavras da consagração, de olhar lânguido como um amante que mira os olhos da sua amada…”

- “ Esses primeiros tempos de padre permanecem na minha memória como dias de realização e de fremente felicidade; algo de precioso e ao mesmo tempo demasiado frágil para durar, como um caso amoroso cedo interrompido pela realidade de um casamento incompatível.”

É conhecida a famosa visão orgástica/mística de Santa Teresa de Ávila representada numa bela escultura em mármore de Bernini, para a Capela do Cardeal Frederico Cornaro e que encima, à direita, este texto.

É uma escultura da arte barroca que representa Santa Teresa, plena de sensualidade e movimento, ferida por uma seta de amor divino disparada por um anjo que bem nos lembra Cupido.

O biólogo Lewis Wolpert adianta uma sugestão que pode ser vista como uma generalização da ideia de “irracionalidade construtiva”.

Sustenta ele que para um espírito inconstante, uma convicção irracionalmente poderosa funciona como protecção:

- “Se as crenças capazes de salvar vidas não fossem fortes, isso teria sido desvantajoso nos primórdios da evolução humana. Teria sido uma séria desvantagem, por exemplo, ao caçar ou ao fabricar ferramentas, estar sempre a mudar de ideias”.

Por outras palavras, em determinadas circunstâncias é preferível insistir numa crença irracional do que hesitar, mesmo que nova evidência ou o raciocínio aconselhem a mudança.

No seu livro Social Evolution, Robert Trivers, desenvolveu a sua teoria de auto-ilusão que consiste em:

- “Esconder a verdade do plano consciente a fim de melhor a ocultar dos outros. Dentro da nossa espécie reconhecemos que olhos esquivos, mãos transpiradas e voz rouca podem ser sinal da tensão própria de quem conscientemente sabe que está a tentar enganar alguém. Ao tornar-se inconsciente da sua mentira, aquele que engana esconde do observador estes sinais. Ele ou ela podem mentir sem o nervosismo que acompanha o engano.”

O antropólogo Lionel Tiger diz algo parecido sobre este tipo de “irracionalidade construtiva”sobre a qual temos vindo a reflectir:

-“ Os humanos têm uma tendência consciente para verem aquilo que querem ver e, literalmente, dificuldade em ver coisas que tenham conotações negativas, ao passo que vêm com muita facilidade as positivas.”

A pertinência que isto tem para a religião é óbvia, nomeadamente no que tem a ver com tomar os desejos pela realidade.

Richard Dawkins defende a teoria geral de que a religião é um subproduto acidental, um tiro falhado de algo útil mas, sobre esta teoria, continuaremos no próximo texto uma vez que já não se enquadra no título que demos a este.

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