“Calar-se equivale a deixar crer que não se julga e que nada se deseja"
(Sofia de Mello Bryner)
Uma sociedade de tradição machista como
a nossa tinha que desenvolver uma qualquer teoria que amenizasse o crime do
namorado que mata a namorada ou o marido que mata a mulher.
Coitado, “ele matou por amor”. Gostava
tanto dela que não suportou a vida sem o seu amor... foi tudo por uma questão
sentimental...
Recordo, no romance da Gabriela, Cravo e
Canela, de Jorge Amado, de que todos devem estar recordados pois passou em telenovela, a primeira e a melhor telenovela já feita no Brasil, o Coronel Jesuíno de Mendonça, homem violento e rude
que casa com Sinhazinha, elegante e charmosa e muito mais nova que ele, e a que
a mata, juntamente com o amante, o dentista, Dr. Osmundo Pimentel, ambos
apanhados em flagrante delito por denúncia de uma “língua” bem aventurada.
Desconfiado e ciumento, o Coronel Jesuíno
passava a vida a trocar de amantes mas quando chegou à vez da esposa sentiu-se
na obrigação de fazer justiça e lavar a sua honra com sangue no que foi muito
elogiado pela classe dominante da sua cidade e desculpado por quase todas as
restantes pessoas coibidas por medo de dizerem o que lhes ia na alma.
O escândalo e a surpresa total aconteceu
quando um juiz, que tinha vindo de fora da cidade, condenou o Coronel Jesuino pelo assassínio
da mulher e do Dr. Osmundo, o amante.
Mais uma vez teria sido um caso de amor
ferido a merecer a compreensão da sociedade.
Recentemente, entre nós, o assassínio de
mulheres por força desta tradição machista chegou ao ponto de o próprio pai
matar o bebé de 5 meses para “castigar” a mãe que não correspondia ao seu amor.
Até 1975 o Código Civil português incluía aqui lo que nos países muçulmanos o ocidente repudia
como bárbaro: crimes de honra através do qual se permitia ao marido enganado
matar a mulher e respectivo amante sem outros castigos que não fossem ser posto
fora da comarca por uns meses.
O mesmo Código Civil que permitia que os
maridos repudiassem as esposas que não fossem virgens para o casamento e outras
disposições que colocavam as mulheres em perfeita submissão dos homens com quem
casavam.
Esta lei vigorou até 1975, regulou ainda
durante muito tempo o meu primeiro casamento e embora já tenha sido abolida há
40 anos está impregnada na nossa cultura e não desaparecerá nem fácil nem
rapidamente.
Agora uma coisa tem de ficar claro: não
se mata por amor... mata-se por ódio, por desprezo da vida de outra pessoa e
não vale, quando casos destes acontecem, virem as “comadres lá na terra
dizerem:... “ele lá tinha as suas razões...” como forma de justificação e de
atenuante.
A própria justiça portuguesa em Acórdãos
vergonhosos dos Tribunais parecem vir ao encontro deste:... ele lá tinha as
suas razões...” em vez de invocarem que no Brasil, no mês passado, foi
tipificado o crime de “feminicídio” como o ódio às mulheres que mata."
Cá em Portugal, continua a matar-se por
amor e não é pouco: em 15 semanas de 2015 já foram, de tão amadas, mortas 15
mulheres. Será que não é romantismo a mais?... (Fernanda Câncio, jornalista do DN)
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