terça-feira, abril 21, 2015

Ódio 

de 

Perdição














                                     
                                                                                                
                                                                                                    Camilo Castelo Branco

                                            
                                        “Calar-se equivale a deixar crer que não se julga e que nada se deseja"
                                                                  (Sofia de Mello Bryner)




Uma sociedade de tradição machista como a nossa tinha que desenvolver uma qualquer teoria que amenizasse o crime do namorado que mata a namorada ou o marido que mata a mulher.

Coitado, “ele matou por amor”. Gostava tanto dela que não suportou a vida sem o seu amor... foi tudo por uma questão sentimental...

Recordo, no romance da Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado, de que todos devem estar recordados pois passou em telenovela, a primeira e a melhor telenovela já feita no Brasil, o Coronel Jesuíno de Mendonça, homem violento e rude que casa com Sinhazinha, elegante e charmosa e muito mais nova que ele, e a que a mata, juntamente com o amante, o dentista, Dr. Osmundo Pimentel, ambos apanhados em flagrante delito por denúncia de uma “língua” bem aventurada.

Desconfiado e ciumento, o Coronel Jesuíno passava a vida a trocar de amantes mas quando chegou à vez da esposa sentiu-se na obrigação de fazer justiça e lavar a sua honra com sangue no que foi muito elogiado pela classe dominante da sua cidade e desculpado por quase todas as restantes pessoas coibidas por medo de dizerem o que lhes ia na alma.

O escândalo e a surpresa total aconteceu quando um juiz, que tinha vindo de fora da cidade, condenou o Coronel Jesuino pelo assassínio da mulher e do Dr. Osmundo, o amante.

Mais uma vez teria sido um caso de amor ferido a merecer a compreensão da sociedade.

Recentemente, entre nós, o assassínio de mulheres por força desta tradição machista chegou ao ponto de o próprio pai matar o bebé de 5 meses para “castigar” a mãe que não correspondia ao seu amor.

 Até 1975 o Código Civil português incluía aquilo que nos países muçulmanos o ocidente repudia como bárbaro: crimes de honra através do qual se permitia ao marido enganado matar a mulher e respectivo amante sem outros castigos que não fossem ser posto fora da comarca por uns meses.

O mesmo Código Civil que permitia que os maridos repudiassem as esposas que não fossem virgens para o casamento e outras disposições que colocavam as mulheres em perfeita submissão dos homens com quem casavam.

Esta lei vigorou até 1975, regulou ainda durante muito tempo o meu primeiro casamento e embora já tenha sido abolida há 40 anos está impregnada na nossa cultura e não desaparecerá nem fácil nem rapidamente.

Agora uma coisa tem de ficar claro: não se mata por amor... mata-se por ódio, por desprezo da vida de outra pessoa e não vale, quando casos destes acontecem, virem as “comadres lá na terra dizerem:... “ele lá tinha as suas razões...” como forma de justificação e de atenuante.

A própria justiça portuguesa em Acórdãos vergonhosos dos Tribunais parecem vir ao encontro deste:... ele lá tinha as suas razões...” em vez de invocarem que no Brasil, no mês passado, foi tipificado o crime de “feminicídio” como o ódio às mulheres que mata."

Cá em Portugal, continua a matar-se por amor e não é pouco: em 15 semanas de 2015 já foram, de tão amadas, mortas 15 mulheres. Será que não é romantismo a mais?... (Fernanda Câncio, jornalista do DN)

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