sábado, abril 11, 2015

Valério Cachorrão ficou lavado em sangue...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)





Episódio Nº 221















Ocorreram outras rixas de certo vulto que por pouco não terminam em desgraça. Assim, por exemplo, quando Valério Cachorrão, ajudante de tropeiro de muita farromba e cachaça fraca, estando alto, resolveu tomar liberdades com a mulher de Chico Espinheira: de passagem para Taquaras, o casal pernoitava no descampado.

Chico Espinheira, o próprio, aquele mesmo que fora a júri em Ilhéus, no fim das lutas, acusado de ser o matador do coronel Justino Maciel e de dois capangas.

 O turco e o tropeiro Maninho acudiram a tempo de impedir o pior: Chico Espinheira com uma das mãos segurava Valério Cachorrão pelos gorgomilos, com a outra trabalhava devagar com a ponta do punhal.

Valério Cachorrão ficou lavado em sangue mas se safou com vida.

Estando ainda Tocaia Grande em seus começos, dois mateiros, que, aliás, haviam chegado juntos dispostos a aliviar a natureza, bateram-se a faca e se feriram os dois para saber qual deles iria passar a noite com Bernarda.

Tinham-na visto no armazém mas nem sequer haviam-lhe falado: se a tivessem consultado antes não haveria briga nem facadas, pois ela estava de paquete, o balaio fechado.

Correndo o risco de levar as sobras, Fadul conseguiu desapartar os violentos rivais - rivais por que, se Bernarda não demonstrara o menor interesse por nenhum dos dois?

Terminaram de pazes feitas quando finalmente desistiram da cabrita. Coroca lavou-lhes as feridas com álcool e consolou um deles, o outro comboiou Dalila, também muito apreciada devido ao exagero da taioba.

Bernarda, logo que chegara a Tocaia Grande, dera lugar a seguidas disputas, resolvidas no tapa ou na carta mais alta tirada na sorte do baralho. Mas, ao ficar patente a protecção com que a distinguia o Capitão Natário da Fonseca, a cobiçada deixou de ser objecto de aposta e desafio.

 Podia prevalecer-se e abusar, atendendo tão-somente a quem aceitasse e decidisse receber nos dias livres que lhe sobravam para ganhar a vida. Reservava três dias para o padrinho ao anúncio de sua próxima passagem: a véspera da chegada para com tempo e sossego preparar o acolhimento, o dia da bem-aventurança e o seguinte.

Esse último para recordar em paz o principal e os detalhes, cada palavra, cada gesto, o sorriso esquivo, o abraço poderoso, a respiração e o desmaio. Sua vida resumia-se a essas horas venturosas, passadas em rude e meiga companhia.

Aí fica o registo das desavenças mais sérias, dos acidentes mais violentos, os mortos e os feridos: não foram tantos, muita pachouchada, pouco sangue. Arruaças menores, pequenos bafafás, Fadul se cansara de pôr-lhes cobro no grito, impondo sua ascendência de comerciante quando não de credor.

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