Prof. Adriano Moreira |
Estadista, político, deputado, politólogo, sociólogo, Prof. Universitário... |
Noventa e dois anos de idade, 6 filhos,
14 netos, reformado há 22 anos e um poço de sabedoria acumulada ao longo de uma
vida num cérebro brilhante.
Assim foi, ontem, o reencontro com o meu
professor de há 56 anos quando, aos 20, entrei pela primeira vez na sala de
aulas da antiga Escola Superior Colonial, ali ao Príncipe Real, em Lisboa, para
a disciplina de Princípios Gerais de Direito, aproveitando o facto de ele ter
aceite o convite da APRE, Associação de Pensionistas e Reformados, para vir a
Santarém , à Casa - Museu Pedro Canavarro, proferir uma palestra.
Reencontro com o meu professor mas
também reencontro com o passado. De repente, ali estava eu, sentado na carteira
e à minha frente, de pé, o Prof. Adriano Moreira dando uma aula envolvendo-nos
nas suas palavras como se não tivesse passado mais de meio século.
Como está, Sr. Professor? – Melhor do
que o país – responde-me ele.
Sem dúvida, melhor do que o país
relativamente ao qual ele sente uma genuína e muito sentida preocupação.
Quando o vi pessoalmente pela última vez
ele tinha 36 anos, o cabelo negro, estava na pujança da vida, irradiava
confiança, impunha o respeito e disciplina a mim, seu jovem e inseguro aluno.
Ontem, encontrei-o com a delicadeza e a
simpatia que o peso dos anos conferem. Mais sábio, com dúvidas, incertezas e
receios que há 56 anos, de certo, não tinha.
É assim a vida, torna-nos humildes e a
arrogância, se a houve, esmoreceu-se com o passar do tempo. Deixou de meter
medo aos alunos que se preparavam para ser examinados, medo infundado, de
resto, porque o seu interrogatório era leal.
Recordei-lhe uma ou outra coisa do
passado e ele sorriu... quantos milhares de alunos não terá ele tido ao longo
de toda a sua vida? Eu fiz apenas parte do 1º grupo desses alunos no já
longínquo ano lectivo de 1959/60.
Sabe, disse-nos ele, quando vou à minha
aldeia, para os lados de Macedo de Cavaleiros, Grijó de Vale Benfeito, os
velhos de 70 anos vêm ter comigo, abraçam-me e choram.
“Havia antigamente uma escola e eu pus lá
outra, hoje nem uma criança se vê... as pessoas eram então muito pobres mas
felizes, agora vivem tristes.”
O Prof. Adriano Moreira é hoje uma
pessoa na qual a sensibilidade cresceu com os anos. A CPLP, Comunidade de
Países de Língua Oficial Portuguesa, é uma “janela” para Portugal, uma
Comunidade de Afectos, nada que se confunda com a Commonwealth que já existia
antes das independências e não tem a ver com afectos que tenham ficado depois
dos ingleses partirem.
Se algumas dúvidas existissem a este
respeito lembro a minha experiência de 15 meses, nos anos de 1963/64, vivendo
na fronteira entre Angola e a Rodésia do Sul, hoje Zâmbia, onde os ingleses
eram denominados pelos Luenas, de brancos e os portugueses de... portugueses.
Era o princípio da comunidade de afectos, uma raiz longínqua da CPLP.
A outra “janela” de Portugal, para
Adriano Moreira, é o mar e a plataforma continental, a maior de todas no mundo chamando a atenção para a importância do trabalho das Universidades de Aveiro, Algarve e Açores para a
valorização desse património e estremece quando houve falar no “mar europeu”...
Da sua formação católica fala-nos da
importância da família como o grande pilar da sociedade e dos valores e
princípios como suporte da vida em sociedade e, puxando a brasa à sua sardinha
ou talvez não, do valor e contributo dos velhos.
Eram velhos os homens que lançaram e
construíram a Comunidade Europeia: Schuman, Jean Monet, Adenaur, Willy Brant,
velhos foram os Papas da sua admiração terminando agora no Papa Francisco.
Estávamos numa reunião promovida pela
APRE, todos com mais de 65 anos e o elogio aos velhos pareceu muito a propósito
sem deixar de ser verdadeiro.
Sem princípios e valores não há
confiança, por isso os terroristas do denominado Estado Islâmico não matam
príncipes nem ministros, matam inocentes para minar exactamente a confiança das
populações nos respectivos Estados e dessa forma enfraquecê-los.
Toda a nossa história mostra que Portugal
não tem existência sozinho aqui no
canto da Europa. Éramos um milhão de pessoas no tempo de D. João II quando
começou a nossa luta por outros espaços. Homens eram metidos em barcos e lá iam
eles sem que alguém soubesse para onde deixando o país entregue às mulheres que
asseguravam a criação dos filhos e a transmissão dos valores e dos costumes.
Demos a volta ao mundo e estamos
regressados, finalmente, ao espaço que é o nosso: a Europa. Temos que lutar por
ela, aperfeiçoá-la nas suas instituições, dar-lhe força, sobreviveremos com ela
ou morreremos fora dela, não há mais por onde ir.
Olhando para a história e para a Europa
vemos os países colonizados pelo antigo Império Romano: Chipre, Grécia, Itália,
Espanha, Portugal que constituem agora uma espécie de caminho inverso que as
populações destes países percorrem para trabalharem nos países ricos do norte
da Europa, antigamente o território dos bárbaros, os mesmos que destruíram Roma
e o Império Romano do Ocidente.
Agora é indispensável que a Europa se
defina quanto ao seu destino: ou a Alemanha se incorpora na Europa ou os
restantes países do Sul da Europa se tornam numa extensão da Alemanha com
gravíssimos riscos. A continuação de uma Europa rica a Norte e pobre a Sul não
corresponde ao projecto europeu,
A actual crise e dificuldades
resultantes de um Ajustamento das economias por força de um Tratado Orçamental
que tem de ser revisto, irá ter efeitos perniciosos na relação de confiança
entre os cidadãos e os Estados, em Portugal, Espanha, Itália, Grécia e na
própria França, levando ao aparecimento de franjas da população cada vez
maiores com tendências independentistas e de isolamento.
O Prof. Adriano Moreira foi uma das
personalidades que assinou a lista para a reestruturação da dívida a qual, por
questões semânticas aparentemente incompreensíveis, foi lida como não pagamento
da dívida o que nunca esteve no pensamento dos signatários.
O principal problema da Comunidade
Europeia tem a ver com o papel da Alemanha. Neste momento coloca-se com premência
a questão da Grécia mas será ela um problema grego ou europeu? – Da resposta a
esta pergunta poderá depender o desfecho da situação.
O Prof. não augura o futuro de uma
Grécia fora do Euro e da Europa e desta, por sua vez, sem a Grécia, que mesmo
com o equi líbrio que regista entre
importações e exportações ficaria só, sem ninguém que a ajudasse logo no dia a seguir à sua saída. Tem a palavra
a diplomacia.
Esta, terá sido a minha última aula com
o Professor Adriano Moreira, fui um privilegiado nesse aspecto embora, como ele
próprio reconheceu, a grande aula, agora que nós, os velhos, vamos estando de
partida e em termos de balanço final, a grande aula, aquela que ensinou mesmo,
foi a da vida.
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