quarta-feira, abril 08, 2015

Mande fazer a cacimba, não se esqueça.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 218



















Calados, percorreram as léguas do caminho. Tristes como se estivessem se despedindo para sempre. Ao subir para o trem, Zezinha lhe recordou, tocando-lhe o peito com o dedo em riste:

- Mande fazer a cacimba, não se esqueça.

Não se preocupou em esconder as lágrimas:

- Obrigado pelo adjutório -  Fez um esforço para sorrir:

- E por tudo mais. - Incontroláveis, os soluços irromperam altos e doridos. O turco meteu a mão no bolso, tirou um lenço grande, de ramagens, desbotado, e o passou a Zezinha, que nele mergulhou o rosto, de pé na porta do vagão.

Fadul quis falar, não pôde. O trem apitou, começou a andar,
Zezinha do Butiá acenava adeus com o desbotado lenço de ramagens.

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Durvalino demonstrara ser um pé-de-boi, incansável no trabalho e comprovadamente honesto: se afanava uma ou outra moeda para alimentar o vicio no raparigal, tratava-se de quantia tão insignificante que Fadul fingia não se dar conta.

Fora disso era um varapau mexeriqueiro e caga-regra. O rei dos apelidos, devido à altura e à lingua de badalo: Pau-de-Sebo, Vara-de-Pescar, Leva-e- Traz, Vosmicê-Vai-Ver e Já-Sabe?, assim mesmo com ponto de interrogação na voz.

 Esses, os principais; havia outros, menos corriqueiros, mais poéticos: Lombriga-de-Turco, Sobejo-de-Puta, Piolho-do-Cão.

Pessoa alguma no uso do juízo tentaria disputar com Pedro Cigano a condição de pregoeiro-mor dos sucessos ocorridos naquelas bravias comarcas, o extenso e turbulento território do rio das Cobras com um sem-número de propriedades, de pontos de pernoite, arruados, lugarejos, arraiais.

 Oferecendo a preço vil o som de seu fole, sinal de alegria e festa, Pedro Cigano, pés de sete-léguas, palmilhava os caminhos, levando, de sítio a sítio, as últimas informações, as notícias mais recentes: quem morrera e quem parira, bodega que abrira ou que fechara as portas, brigas, desordens, amigações, farrombas de jagunços, invasões de terras, matança de índios, vendas de roças e fazendas, os pousos das putas, andejas como o sanfoneiro.

Merecia confiança pois não era de inventar, bastava dar desconto na extensão e no volume do enredo: apenas ao contar ele aumentava, engrandecia, com um fio de cabelo trançava um chinó.
No que se refere contudo aos limites de Tocaia Grande ninguém levava a palma a Durvalino, a par do menor incidente, de qualquer bate-boca de raparigas, de passageiro desacordo de tropeiros nas partidas de ronda, no derriço dos xodós: nada ocorria em Tocaia Grande sem que Durvalino soubesse e referisse.

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