quinta-feira, abril 09, 2015

Vosmicê já sabe o que tá havendo...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 219


















Leva-e-Traz, diziam para designá-lo, mas a esse levar e trazer e ao hábito de exagerar - no que se parecia a Pedro Ogano -  deve-se ainda acrescentar a mania de prever o desenvolvimento de cada assunto, anunciando o que iria suceder.

Além de Leva-e-Traz, alcunharam-no também de Vosmicê-Vai-Ver. Figura familiar na Baixa dos Sapos, metia-se constantemente em camisa de onze varas em conseqüência de seus constas, seus estão-dizendo-por-aí, dos boatos e dos zunzuns, mas sobretudo devido às conjeturas e aos agouros.

Andou levando uns pegas, umas corridas de quengas de maus bofes que se consideraram injuriadas ou caluniadas por Vara-de-Pescar, se bem, em geral, fosse recebido com agrado e curiosidade ao despontar no puteiro com ar misterioso e a pergunta habitual: já sabe da novidade?

Por Já-Sabe? saudavam-no ao vê-lo surgir, galalau de pernas de compasso e olhos arregalados.

Graças a Durvalino, Fadul andava de grande: já não tinha de se levantar antes do sol para atender à saída dos tropeiros passara-lhe a penosa obrigação. Chegava ao balcão depois de aliviar a barriga, mergulhar no rio e tomar o café com farinha, jabá e rapadura.

Pronto para ouvir, junto com o cordial “bom dia, patrão”, as notícias, os comentários e as previsões de empregado que não ia à casinha, ao rio e ao fogão, antes de despejar o saco:

 - Vosmicê já sabe o que tá havendo entre Tição e Bastião da Rosa pro mode Diva? Todo mundo sabe...

Também Fadul sabia, o próprio Durvalino chamara sua atenção para o interesse com que os dois citados personagens rondavam a filha de Ambrósio e de Vanjé, arrastavam-lhe a asa, à vista de todos.

Com a tendência para a jogatina característica da população de Tocaia Grande - a estável e a transitória – já apostavam sobre qual dos dois levaria a melhor no torneio de agrados e cortesias pela conquista do cabaço da galante sergipana.

Que Diva fosse cabaço não cabia dúvida, nem o próprio Já-
Sabe?, língua comprida e viperina, levantara qualquer suspeita a esse respeito: virgem até o momento em que Castor ou Bastião, um dos dois, lhe fizesse o serviço.

A opinião pública encontrava-se evidentemente dividida ao meio a propósito do resultado da contenda, mas Durvalino tinha ponto de vista formado, não admitia discussão, era categórico:

 - Vosmicê não acha que seu Bastião ganha de longe? É muita petulância de seu Tição pensar que Diva vai preferir um negro feio, um estupor - aqui pra nós que ele não me ouça - a
um branco que até parece raciado de alemão? Seu Tição vai arrastar lata, vosmicê vai ver.
- Tu acha que Tição é feio porque é negro mas pra tu ser negro igual a ele falta quase nada. Durvalino era ainda mais escuro do que a tia, mulata cor de cacau seco: - Cor não faz boniteza nem feiúra de ninguém, tanto pode ser bonito branco ou preto.

Baixando a voz, considerou como se falasse consigo mesmo: -  - Zezinha se fosse branca não era tão bonita...

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