Ao calor de uma fogueira... |
Ao Calor de
Uma
Fogueira
O
controle do fogo, oriundo dos céus, foi a primeira grande inovação técnica do
homem há cerca de 550.000 anos, tão importante que a evolução da nossa espécie
não teria sido possível sem esse enorme avanço que lhe abriu as portas do
futuro e lhe permitiu desenvolver as suas capacidades.
Sem o fogo, as noites dos nossos
antepassados teriam continuado a ser de pesadelo, à mercê das feras, primeiro
empoleirados nas árvores, mais tarde protegidos por arbustos espinhosos,
saliências rochosas e muito dificilmente em grutas escuras e frias.
Por esta altura éramos muito poucos,
algumas centenas de milhar de indivíduos em todo o mundo, extraordinariamente
dispersos e com uma duração média de vida que não ultrapassaria os 20 ou 25
anos.
À volta de uma fogueira a vida social
estruturou-se, os laços familiares estreitaram-se e o que seria o dia de amanhã
ganhou mais consistência.
Domesticar o fogo terá sido, com
certeza, um objectivo perseguido com grande determinação, muitas frustrações,
dissabores e acidentes diversos à mistura.
Qualquer um de nós que tenha um fogão
de sala deveria ter um pensamento para esses nossos antepassados quando, nas
noites de Inverno, acende a lareira recorrendo, com toda a facilidade, às
acendalhas que comprou no supermercado e, mesmo hoje, no conforto das nossas
casas, é sentido como o crepitar das chamas da fogueira nos transmite
bem-estar, tranqui lidade, paz e
intimidade.
Os restos mais antigos do que poderia ter sido uma lareira foram descobertos na gruta da Escale, em França, datados de há
750.000 anos, mas vestígios de lareiras realmente estruturados que sem qualquer
espécie de restrições podem ser atribuídos ao homem, só a partir de há 500.000
anos na Europa ou ainda na Ásia e mais tarde nas regiões tropicais de África
onde o frio causava menos problemas.
O homem que primeiro utilizou o fogo
nós o denominamos de Herectus e essa utilização foi, certamente, muito anterior
à descoberta da técnica para o produzir.
Primeiramente, ele seria simplesmente
apanhado durante um acidente natural, um raio ou um vulcão e depois
transportado, mantido e vigiado e não admira nada que se tivessem registado
confrontos violentos entre quem o tinha para o defender de quem procurava
roubá-lo.
Estas lareiras são caracterizadas
pela presença de uma camada de cinzas, muitas vezes circunscrita por um muro
baixo de pedras onde se encontraram fragmentos de ossos queimados que revelam
que os nossos antepassados aprenderam a utilizar o fogo não só para se
iluminarem, aquecer e defender das feras, como também para confeccionar os
alimentos.
O domínio da técnica do fogo com
consequências decisivas no processo evolutivo da nossa espécie é contemporâneo
do aumento evidente do volume do cérebro que, por sua vez, acompanhou a
evolução constante das técnicas utilizadas na confecção dos utensílios de pedra
cada vez mais numerosos, eficazes e também mais elegantes, facto que pode
traduzir um desejo novo de procura estética com uma nova cultura que se
sobrepõe à simples técnica.
Aprender a fazer fogo resultou da
observação ao perceberem que ele aumentava pelo aquecimento de galhos ou folhas
secas o que lhes permitiu concluir que a chama poderia ser iniciada com
temperaturas elevadas.
Desta forma, descobriram que o atrito
entre dois paus de madeira aumentava a temperatura e produzia a chama que
depois poderia ser activada com a ajuda de pequeninas palhas secas e um ligeiro
sopro.
Mas eles observaram também que o
choque entre duas pedras produzia faíscas e que se colocassem galhos ou folhas
secas junto dessas faíscas conseguiam obter fogo.
Esta técnica veio até aos nossos dias
com os isqueiros de pederneira de que ainda me lembro muito bem nas mãos dos
velhos fumadores na aldeia dos meus avós.
Os nossos antepassados tinham
tendência para adorarem tudo de que dependiam as suas vidas e o fogo, pela sua
importância, era considerado sagrado e tributavam-lhe danças em sua homenagem.
Mais tarde, ao longo da história, os
homens viriam a dançar por muitas outras coisas… mas a primeira dança, a que
abriu caminho a todas as outras foi, sem dúvida, a do fogo considerado símbolo
divino da vida.
Foram muitas as alterações que o
domínio do fogo e principalmente a sua utilização na confecção dos alimentos
trouxe para a evolução da nossa espécie:
- Ao deixar de comer carne crua
sofreu mudanças ao nível dos maxilares e dos dentes, da forma do rosto e do
aparelho digestivo que, por sua vez, provocaram alterações no aparelho vocal e
o homem que era Herectus passou a ser Sapiens Sapiens;
- As cavernas passaram a ser
iluminadas e podiam aquecer-se nas noites frias tornando a vida mais fácil e
agradável;
- O fogo facilitou a vida em grupo e
melhorou as relações de convivência das primeiras comunidades. Como conviviam mais passaram da
fase dos gestos à fase da comunicação através de sons articulados de palavras
desenvolvendo a própria linguagem;
- Os instrumentos utilizados na caça
e na pesca foram aperfeiçoados, começou a trabalhar a pontas das setas,
endireitou as armas de arremesso, fabricou instrumentos para a guerra e começou
a caçar mais e variados animais;
-Defendeu-se melhor das feras que os
cercava diminuindo a mortalidade precoce e aumentando, por conseguinte, os
níveis populacionais;
- Melhor alimentado, o organismo
tornou-se mais forte no combate às doenças e por isso viveu mais anos.
Não mais qualquer outra técnica foi
tão decisiva para o destino da humanidade como aquela que nos permitiu produzir
e controlar o fogo porque, sem ela, pelo menos esta humanidade não existiria.
Há 10.000 anos atrás aconteceu a
maior revolução da nossa história, a da agricultura, mas então a nossa espécie já se tinha
afirmado como fiável… por obra e graça de uma simples fogueira.
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