quinta-feira, maio 14, 2015

As Batatas















É curioso verificar como o percurso histórico dos países não só se conta através das batalhas, lutas religiosas e políticas, da ambição e rivalidades dos seus líderes, mas também pela força da interferência de um pequeno tubérculo, pobre e desprezível que nem sequer aparecia à mesa dos nobres: a batata.

Na Irlanda do Norte foi considerada a base da alimentação a partir do Séc. XVII e quando uma doença atacou a planta da batateira deu lugar à Grande Fome, entre 1845 e 1847, com uma redução da população irlandesa que chegou aos 25%, pela emigração e as mortes provocadas.

A doença da batateira também chegou a toda a Europa, simplesmente, havia 1/3 de irlandeses que dependiam totalmente das batatas e por isso o impacto foi terrível naquele país.

Julgo que essa doença, ao que parece um fungo, recentemente descoberto nas plantas com mais de cem anos guardadas em herbários, era o míldio da batata tão conhecido e combatido todos os anos pelos donos das vinhas no Ribatejo.

Em última análise não fosse a batata, ou melhor, a doença da batateira e os EUA não teriam tido um Kennedy como Presidente... mais de um milhão de irlandeses fugiu para a América do Norte por causa da fome da batata.

Em Portugal a batata entrou pelo Norte, nos fins do Sec. XVIII, oriundas da Galiza e talvez por isso também lhes chamavam castanholas mas o que é facto é que são os nortenhos ou eram, os grandes apreciadores de batatas.

Hoje, com a adopção dos hamburgers e dos Mcdonald’s pelas gerações recentes, perante a cedência dos pais, os sabores tradicionais estão em decadência a favor das comidas enlatadas a que também chamam de plástico, com a responsabilidade dos grandes espaços comerciais e dos grandes retalhistas que acabam por "impor" os seus produtos condicionando produtores e consumidores.

Como sabem, eu sou lisboeta e nesta região do país comia-se mais arroz e massa para acompanhar o conduto, especialmente a carne mas o grupo de soldados que me acompanhou na guerra de Angola era praticamente todo constituído por rapaziada do Norte.

A sua preferência pelas batatas rivalizava com a dos irlandeses. Isolado que estive com eles nos confins de Angola dependia dos géneros que a Companhia me enviava e de alguma caça que apanhava e distribuía também pelas populações minhas vizinhas.

Quando a Berliet chegava ao meu acampamento era olhada pelos soldados com desinteresse se, por acaso, não viam os tão desejados sacos de batata mas descarregada num ápice caso contrário.

Fui obrigado a ensinar ao cozinheiro, um rapaz pescador de Matosinhos, mais voltado para caldeiradas, a confeccionar arroz seco no forno de que acabaram por gostar, no lugar do outro, molhado, que eles atiravam à parede como se fosse massa de reboco.

Mas as batatas,”filhas” da América espanhola, oriundas das terras altas do Andes, possivelmente do Chile à Colômbia, foram responsáveis, juntamente com o milho, pela quebra do círculo vicioso da fome na Europa e um dos produtos que mais revolucionou a dieta alimentar dos europeus.

A sua expansão não foi rápida, mais bem aceite nas regiões pobres em cereais e embora o seu consumo tivesse aumentado desde o Séc. XVIII estava ausente dos menus das festas exactamente por ser considerado um alimento pobre.

Na Europa, passou da Irlanda para Inglaterra e daqui, dizem uns, para Portugal, outros dizem que ela veio da Galiza, mas é a partir do XIX que se assiste à sua expansão enquanto consumo entre as pessoas mais abastadas.

Eu gosto de repetir o que dizia a minha falecida sogra: 

....“esteja no céu quem inventou as batatas fritas...”


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