É curioso verificar como o percurso histórico dos países não só
se conta através das batalhas, lutas religiosas e políticas, da ambição e
rivalidades dos seus líderes, mas também pela força da interferência de um
pequeno tubérculo, pobre e desprezível que nem sequer aparecia à mesa dos
nobres: a batata.
Na Irlanda do Norte foi considerada a base da alimentação a
partir do Séc. XVII e quando uma doença atacou a planta da batateira deu lugar
à Grande Fome, entre 1845 e 1847, com uma redução da população irlandesa que
chegou aos 25%, pela emigração e as mortes provocadas.
A doença da batateira também chegou a toda a Europa,
simplesmente, havia 1/3 de irlandeses que dependiam totalmente das batatas e
por isso o impacto foi terrível naquele país.
Julgo que essa doença, ao que parece um fungo, recentemente
descoberto nas plantas com mais de cem anos guardadas em herbários, era o míldio
da batata tão conhecido e combatido todos os anos pelos donos das vinhas no
Ribatejo.
Em última análise não fosse a batata, ou melhor, a doença da
batateira e os EUA não teriam tido um Kennedy como Presidente... mais de um milhão de irlandeses fugiu para a América do Norte por causa da fome da batata.
Em Portugal a batata entrou pelo Norte, nos fins do Sec. XVIII,
oriundas da Galiza e talvez por isso também lhes chamavam castanholas mas o que
é facto é que são os nortenhos ou eram, os grandes apreciadores de batatas.
Hoje, com a adopção dos hamburgers e dos Mcdonald’s pelas gerações
recentes, perante a cedência dos pais, os sabores tradicionais estão em
decadência a favor das comidas enlatadas a que também chamam de plástico, com a responsabilidade dos grandes espaços comerciais e dos grandes retalhistas que acabam por "impor" os seus produtos condicionando produtores e consumidores.
Como sabem, eu sou lisboeta e nesta região do país comia-se mais
arroz e massa para acompanhar o conduto, especialmente a carne mas o grupo de
soldados que me acompanhou na guerra de Angola era praticamente todo
constituído por rapaziada do Norte.
A sua preferência pelas batatas rivalizava com a dos irlandeses.
Isolado que estive com eles nos confins de Angola dependia dos géneros que a
Companhia me enviava e de alguma caça que apanhava e distribuía também pelas
populações minhas vizinhas.
Quando a Berliet chegava ao meu acampamento era olhada pelos
soldados com desinteresse se, por acaso, não viam os tão desejados sacos de
batata mas descarregada num ápice caso contrário.
Fui obrigado a ensinar ao cozinheiro, um rapaz pescador de
Matosinhos, mais voltado para caldeiradas, a confeccionar arroz seco no forno
de que acabaram por gostar, no lugar do outro, molhado, que eles atiravam à
parede como se fosse massa de reboco.
Mas as batatas,”filhas” da América espanhola, oriundas das
terras altas do Andes, possivelmente do Chile à Colômbia, foram responsáveis,
juntamente com o milho, pela quebra do círculo vicioso da fome na Europa e um
dos produtos que mais revolucionou a dieta alimentar dos europeus.
A sua expansão não foi rápida, mais bem aceite nas regiões
pobres em cereais e embora o seu consumo tivesse aumentado desde o Séc. XVIII
estava ausente dos menus das festas exactamente por ser considerado um alimento
pobre.
Na Europa, passou da Irlanda para Inglaterra e daqui , dizem uns, para Portugal, outros dizem que ela
veio da Galiza, mas é a partir do XIX que se assiste à sua expansão enquanto
consumo entre as pessoas mais abastadas.
Eu gosto de repetir o que dizia a minha falecida sogra:
....“esteja
no céu quem inventou as batatas fritas...”
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