terça-feira, maio 05, 2015

Tu tá morrendo de contente, benza Deus!
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)



Episódio Nº 237

















Aprendera a falar europeu e exibir ademanes no colchão de plumas, nos lençóis de cetim de Madame La Barone, essa sim uma branca cor de leite, loira cor de mel.

Começou por convidar Zilda para um xote. Ela viera acompanhada dos oito filhos, os cinco que parira e os três de criação. O último, afilhado do coronel Boaventura Andrade e de dona Ernestina, corria solto no galpão, mas as meninas, duas de dez anos - tão parecidas nem que fossem gémeas, apesar de uma não ser dela - a outra de nove incompletos, não recusavam cavalheiros.

 O Capitão andava pela Atalaia: a safra começara, ele dirigia os trabalhos da colheita. Por isso mesmo, Zilda não ficou até o fim. Arrebanhou as meninas e os mais pequenos - Edu e Peba recusaram-se a acompanhá-la - e se mandou da festa.

Com Zilda abriu a dança mas não dispensou nenhuma das presentes, moça ou rapariga. Volteou na sala, exímio e incansável, com Merência e com Ressu, com as três filhas de Zé dos Santos, com Ção e com Bernarda que não largava a cria nem para polcar, com Dinorá e Lia, bem casadas, e com as putas todas, sem excetuar qualquer que fosse. Só não dançou com Diva, par constante de Bastião da Rosa, raramente vista em outros braços a rodopiar o vestido de babados, na cintura e nos cabelos os laços de fita cor-de-rosa.

Apenas na contradança da quadrilha, “anavantu”, “anarriê”, Castor tocou a mão de Diva com a ponta nos dedos, sem a olhar.

A idade não impedia Coroca de ser par disputado, dama de muitos e antecipados compromissos: guarde a próxima pra mim.

No passo miúdo do coco não havia quem a desbancasse. Só lá para as tantas Tição conseguiu conduzi-la através do salão de baile - salão de baile dissera o turco Fadul Abdala ao boiadeiro Misael, indivíduo de maus bofes, na sempre lembrada festa de Santo Antônio.

 Na ocasião o palheiro estava novo em folha mas, apesar de encontrar-se enxovalhado e envelhecido, caindo aos pedaços - projetavam construir em seu lugar um barracão para acolher tropeiros e abrigar a feira - Fadul continuava a designá-lo salão de baile, não fazia por menos.

Por falar em Fadul, também ele não perdia sol-e-dó, imbatível folião. Já não tinha que se preocupar tanto com a venda de cachaça, Durvalino se ocupava.

Castor esbanjava animação, rindo e pilheriando, convidando para tragos, dever de quem era o promotor da festa:

- Vamos folgar, Jacinta, que a morte é certa.

Coroca acompanhou-o na zombaria mas recusou-se a acreditar na afetada exuberância do negro:

 - Tu tá morrendo de contente, benza Deus! Por que é que a criatura quando tá enrabichada fica cega e orelhuda? Não vê e não assunta. - Não disse mais nem ele pediu explicação.

A festa pegava fogo como queria Tição. A festa de dona Ester, com a homenageada primando pela ausência. Mas Zinho e Lupiscínio, filho e marido, supriam-lhe a falta e divertiam-se à la godaça.

Zinho na poeira de Ção, Lupiscínio comboiando a sardenta Nininha, antiquíssimo xodó, com idade e ranço de casamento. Zinho disputava as atenções da moleca com Aurélio e Durvalino que, em tendo ocasião, suspendia o comércio de cachaça.

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