A Filipa e a Matilde |
Os meus filhos não me deram netos. Por isso não gosto mais nem menos deles. A vida é o que é e nós, homens, não temos como missão procriar. Os filhos acontecem normalmente, dão-nos alegrias e preocupações e nunca fizeram connosco qualquer trato para nos darem netos mas estava escrito no meu destino que eles haviam de aparecer para preencher a minha velhice.
Duas netas do coração que me chamam de avô, que gostam de mim da
mesma forma que as netas biológicas gostam dos seus avós porque o amor não está
inscrito nos genes, nem nas certidões de nascimento.
O amor entre pais e filhos ou entre avós e netos reside numa
relação de convivência que nasce da entrega de alguém à relação de pai ou de
avô.
Costumo dizer, por brincadeira, que para ganhar o amor das
minhas netas tenho de me esforçar mais... não posso argumentar: “olha que sou o
pai do teu pai ou pai da tua mãe...”
Só me posso impor pela entrega, pela dádiva da minha atenção, disponibilidade,
porque haverá sempre alguém que dirá: “ele não é o avô delas”.
A relação de amor entre um avô e um neto nasce da convivência e
é potenciada pela consanguinidade mas quando essa relação frutifica o factor biológico perde importância.
Eu sinto que sou avô delas, que gosto daquelas crianças de uma maneira diferente e muito mais intensa de que gostaria de quaisquer
outras e elas sentem que são minhas netas.
A minha mulher, essa, avó biológica, é uma avó de mão-cheia:
atenta, cuidadosa, responsável, “porto de abrigo” de qualquer neta de tal maneira
que me faz sentir, felizmente, diminuído como avô.
Eu tive uma infância cheia de amor da minha mãe e da minha avó e como adulto sempre percebi que foi um capital riquíssimo para o resto de toda a minha vida
ter sido amado intensamente nessa fase tão importante da minha formação.
Muitas coisas más em termos sentimentais podem acontecer pela
vida fora mas esse amor que recebemos dos pais e avós, esse, já ninguém nos tira,
funciona como uma reserva que nos alimenta e adoça para sempre.
Aqui lo que eu hoje
possa dar de amor às minhas netas não é mais do que recebi há muitas décadas
atrás, é uma dívida que estou a saldar.
Não é fácil falar das netas porque o sentimento que nos envolve
não ajuda à imparcialidade e, por outro lado, depois dos setenta, somos muito
menos exigentes na apreciação dos outros, compreendemos coisas que como pais da
geração dos sessenta, não valorizávamos até pelo sentido de responsabilidade
que então nos dominava e que agora como avós deixamos mais para eles.
A minha neta mais velha, a Filipa, com quem tive mais
convivência, a relação é de amor e cumplicidade consolidada ao fim de nove anos
e bem expressa na sua frase de quando era pequenina: “foi o avô que “ensineu”.
A mais pequenina, a Matilde, agora com dois anos, é uma explosão
de vida e de alegria. As suas gargalhadas de felicidade constituem um hino à
própria vida nas suas corridas, cabelos muito loirinhos a abanar de lado a lado
e a rir, a rir, apenas porque é criança e é feliz e a sua felicidade perpassa na sua relação. Como seu avô do coração ela
também me faz sentir feliz.
Não se pode falar de netos sem falar de avós e isso “sente-se”
quando se é neto, esquece-se na vida adulta e percebe-se então, de uma forma
completa, quando se é avô.
Pensando bem, não haveria sequer humanidade se não houvesse avós.
As dificuldades e as exigências na preparação de uma criança para a vida são tão
prolongadas e difíceis que os pais, só por si, não teriam possibilidades.
Creio mesmo que os homens vivem tantos anos depois do período da
procriação para corresponder a uma necessidade da nossa espécie que é a de
sermos avós.
Participar na sociedade no papel de avô é completar
integralmente o nosso ciclo de vida: nascer, ser pai, ser avô e morrer.
Poder preencher na totalidade este ciclo de vida é uma dádiva
das minhas netas. Obrigado Filipa, obrigado Matilde.
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