Em troca fez um pedido:... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 312
Pessoa dada, de natureza cordial, quando não
estava viajando para comprar cacau, gostava de cavaquear com o povo, interessado
em toda a espécie de besteira: receitas de mezinhas e garrafadas, simpatias para
curar asma e tísica, histórias de abusões, ditos e provérbios, acontecidos
miúdos e tolos.
Com um toco de lápis tomava notas numa
caderneta: se vê de um tudo nessa vida. Por essas e outras, Bráulio, um dos
guardas do depósito, dizia que seu Carlinhos era uma pessoa interessante.
Bráulio ouvira a palavra numa pensão de
putas em Itabuna e a incorporara a seu minguado vocabulário, usando-a com
parcimônia, quando tinha de explicar o inexplicável: interessante!
Escutando sia Leocádia desdobrar o projeto
do reisado, seu
Carlinhos Silva aplaudiu a idéia com
entusiasmo e se colocou às ordens: em que podia ser útil?
Sia Leocádia aproveitou para citar a grave
questão do bombo: sem bombo, reisado não era a mesma coisa.
Seu Carlinhos comprometeu-se a obter com
Koifman & Cia a doação do instrumento: fique descansada, não será por falta
de bombo que o reisado deixará de sair.
Em troca fez um pedido: desejava assistir
os ensaios, teria permissão? É claro que sim, bastaria comparecer ao barracão
onde seriam realizados, três dias por semana.
Em Estância, cada ensaio era uma festa com
namoro, cantoria e dança. Às vezes, dava casamento.
5
O capitão Natário da Fonseca devolveu a
palha e o fumo a Espiridião, guardou o punhal no cinto, transmitiu ao coronel
Boaventura Andrade a embaixada de sia Leocádia:
- Sia Leocádia mandou dizer que conta como
sem falta com vosmicê para o reisado.
Recado urgente: não se esqueça, Capitão,
de falar com o primo. O Coronel sorriu, se recordando:
- Velha disgramada! Inda me lembro do
reisado dela.
Nunca vi gente mais festeira que a de
Estância.
- Ela disse que o pai de vosmicê fazia
figuração de Mateus e era bom de dança.
- O velho Zé Andrade era da pá virada.
Saía em reisado, tocava trombone, pintava o diabo. Até morrer.
Até morrer. Na varanda da casa-grande, o
coronel Boaventura Andrade demorou o olhar nos dois cabras, Natário, seu braço direito,
Espiridião, seu cão de guarda.
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