sábado, agosto 15, 2015

Em troca fez um pedido:...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 312





















Pessoa dada, de natureza cordial, quando não estava viajando para comprar cacau, gostava de cavaquear com o povo, interessado em toda a espécie de besteira: receitas de mezinhas e garrafadas, simpatias para curar asma e tísica, histórias de abusões, ditos e provérbios, acontecidos miúdos e tolos.

Com um toco de lápis tomava notas numa caderneta: se vê de um tudo nessa vida. Por essas e outras, Bráulio, um dos guardas do depósito, dizia que seu Carlinhos era uma pessoa interessante.

Bráulio ouvira a palavra numa pensão de putas em Itabuna e a incorporara a seu minguado vocabulário, usando-a com parcimônia, quando tinha de explicar o inexplicável: interessante!


Escutando sia Leocádia desdobrar o projeto do reisado, seu
Carlinhos Silva aplaudiu a idéia com entusiasmo e se colocou às ordens: em que podia ser útil?

Sia Leocádia aproveitou para citar a grave questão do bombo: sem bombo, reisado não era a mesma coisa.

Seu Carlinhos comprometeu-se a obter com Koifman & Cia a doação do instrumento: fique descansada, não será por falta
de bombo que o reisado deixará de sair.

Em troca fez um pedido: desejava assistir os ensaios, teria permissão? É claro que sim, bastaria comparecer ao barracão onde seriam realizados, três dias por semana.

Em Estância, cada ensaio era uma festa com namoro, cantoria e dança. Às vezes, dava casamento.

5

O capitão Natário da Fonseca devolveu a palha e o fumo a Espiridião, guardou o punhal no cinto, transmitiu ao coronel Boaventura Andrade a embaixada de sia Leocádia:

- Sia Leocádia mandou dizer que conta como sem falta com vosmicê para o reisado.

Recado urgente: não se esqueça, Capitão, de falar com o primo. O Coronel sorriu, se recordando:

- Velha disgramada! Inda me lembro do reisado dela.

Nunca vi gente mais festeira que a de Estância.

- Ela disse que o pai de vosmicê fazia figuração de Mateus e era bom de dança.

- O velho Zé Andrade era da pá virada. Saía em reisado, tocava trombone, pintava o diabo. Até morrer.

Até morrer. Na varanda da casa-grande, o coronel Boaventura Andrade demorou o olhar nos dois cabras, Natário, seu braço direito, Espiridião, seu cão de guarda.

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