(Domingos do Amaral)
Episódio Nº 69
Excitada, mas também
carregada de dúvidas, Chamoa interrogou a irmã mais velha:
- O primo Mem Tougues disse que me afastasse
de Afonso Henriques, pois esse só queria filhar-me! Será desses?
Irritada Maria Gomes,
avisou-a:
- Não vos fieis no Mem Tougues, sabeis bem o que ele quer de vós!
A bela galeguinha olhou-a,
perplexa, e afirmou:
- Maria, a mãe disse-me quer
era com os primos que se aprende!
As mouras desataram a rir
com aquela indirecta confissão, mas entretanto Zulmira chamou-as e
levantaram-se todas. Em voz baixa para a mãe não a escutar, Zaida prometeu às
galegas que lhes mostraria o livro proibido quando fossem a Coimbra,
acrescentando.
- Não é tão belo como as “Mil e Uma Noites”
mas aprendem-se coisas muito úteis.
Até muito tarde na vida não
fazia ideia do que as mulheres falavam assim entre elas. Seja como for, a Maria
tinha razão, sempre avisou a Chamoa, sempre lhe disse que tivesse mais cuidado,
não se desse tanto aos homens.
Ela é que não a ouviu. As
pessoas são como são, não mudam só porque alguém lhes diz que tenham cuidado
Viseu, Sexta-Feira-Santa,
Abril de 1126
Éramos quatro e já a noite
tinha caído quando saímos pela porta das muralhas de Viseu, a pé e forçando-nos
a um rigoroso silêncio.
Se nos vissem ali, à procura
de diversão numa Sexta-Feira Santa, seríamos repreendidos pelo prior Teotónio.
Ainda para mais entre nós estava o príncipe que se queria um exemplo para os
populares.
Se o distinguissem enrolado
num manto e de capuz a tapar-lhe a cabeça, de certo pensariam que ia às
soldadeiras, prazer compreensível noutra noite, mas proibido naquela.
Porém, há meses que Afonso
Henriques, Gonçalo de Sousa, o Braganção, e eu não estávamos juntos e o apelo
da companhia e da farra fora mais forte do que a obrigação de recato.
Mesmo assim, só começamos a
falar mais alto depois de sairmos da cidade, um pouco antes do príncipe parar
de súbito.
Na beira da estrada, no
escuro da noite, viam-se os vagos contornos de um penedo granítico, talvez a
dez metros. Gonçalo admirou-se mais uma vez com o olho certeiro do príncipe.
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