(Domingos
Amaral)
Episódio Nº 86
À beira do rio da Loba,
Afonso Henriques recordou a Chamoa as suas imperfeições de nascença. Viera ao
mundo com as pernas curtas e tortas e a deficiência fora vista com mau presságio
chegando Dona Teresa a considerá-la uma prova inexorável de que nunca haveria
de parir um varão de jeito, razão porque se recusava a pegar nele.
Por isso foi entregue a
terceiros, e o escolhido foi meu pai, Egas Moniz de Ribadouro, e a minha mãe, Dórdia
Viegas.
Perto do local onde a nossa
família vivia, corria um riacho, à beira do qual existiam as ruínas de uma
igreja. Um dia, Nossa Senhora apareceu em sonhos a meu pai, benzeu aquelas águas
e aconselhou a que lá se banhasse o aleijado menino.
Dórdia assim fizera, e o
milagre das águas, bem como o amor da minha mãe curaram-no.
Ela massajava-o nas pernas,
passava-lhe leite de cabra nos músculos, colocava-lhe mezinhas na pele e
durante anos banhou-o no riacho, salvando-o com o seu carinho e com a ajuda de
Nossa Senhora, a quem meu pai agradeceu, mandando construir no local o Mosteiro
de Cárquere.
No final da narrativa,
Chamoa revelou o seu espanto:
- Haveis chamado mãe a Dórdia Viegas, que Deus
a tenha.
Afonso Henriques olhou para
o rio à frente deles.
- Uma mãe tem de estar perto
dos filhos, de os amparar quando choram ou quando têm frio e medo, e de
abraça-los quando estão felizes.
Dórdia fez tudo isso, foi
ela a minha mãe.
Chamoa, um pouco a medo,
perguntou:
- E Dona Teresa?
O príncipe ignorou a
pergunta, mantendo o olhar pousado nas águas que corriam suaves e lentas. Depois,
afirmou:
- O milagre resultou. Consigo correr atrás dos
javalis, ainda hoje o fiz.
Os olhos verdes de Chamoa
iluminaram-se, com ligeira malícia.
- E atrás das moças?
Ele respondeu-lhe com
solenidade:
- Um príncipe não corre atrás de qualquer uma,
só de quem quer.
Chamoa corou lisonjeada com
aquelas palavras, mas deixou-se ficar em silêncio até que perguntou:
- Vosso primo Mem Tougues, tendes afecto por
ele?
A rapariga franziu a testa,
mas aceitou que, sendo ele príncipe, decidia o que perguntava e ao que
respondia.
Conhecemo-nos desde
crianças, gostamos da companhia um do outro. É bom rapaz, garantiu.
Afonso Henriques mirou-a,
mas ela desviou o olhar para o rio.
Sois amigos? – perguntou ele.
Chamoa, incomodada com a
insinuação, continuou a admirar as plácidas águas.
Não como nas cantigas. E vós,
tendes alguma amiga?
O príncipe negou mas
adiantou que já conhecera mulheres.
- Soldadeiras? – inqui riu Chamoa.
A rapariga galega qui s saber se haviam sido muitas, mas Afonso
Henriques ignorou-a e declarou:
- O Ramiro está enamorado de vós.
Nota –
Conta a lenda, a propósito das imperfeições físicas de Afonso
Henriques, que na tentativa de o curar, Egas Moniz terá levado a criança numa
viagem entre Guimarães e Chaves para o tratar numas águas termais. Durante a
viagem, que então levava uns 3 meses, o jovem Afonso morreu e Egas Moniz,
tendo-se cruzado com um pastor que tinha um filho mais ou menos da mesma idade,
mas forte e saudável, comprou-o e levou-o consigo para Chaves onde, durante 4
anos, o educou e preparou para ser rei.
A outra versão da lenda, é
que ele era mesmo filho de Egas Moniz que teria sido pai na mesma altura que o
conde D. Henrique que aceitara a troca do filho.
Uma coisa é certa, com os
conhecimentos da época, não era possível recuperar uma criança nascida com as
debilidades físicas de Afonso Henriques e transformá-lo no guerreiro forte e
temível que foi o 1º Rei de Portugal.
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