Cavaco no seu melhor |
Cavaco
no seu
melhor
O seu anti-comunismo primário adivinhava-se quando
foi autorizado pela PIDE, em 1967,
a manusear documentação classificada de secreta no seu
segundo nível mais elevado, tendo, então, declarado pelo seu punho, numa Ficha
que lhe foi aberta por aquele organismo, “estar integrado no regime de Salazar”
e “não exercer qualquer actividade política”.
Por outras palavras, era um homem de confiança
do regime e quando ontem, depois de nomear Pedro Passos Coelho, se atirou aos
comunistas como “gato a bofe”, voltou a demonstrar que continua a ser um homem
do regime de Salazar.
Sagaz, astuto, matreiro e sonso, teve o grande
mérito de cavalgar todas as ondas que lhe eram favoráveis, empurrado ou por sua
iniciativa, soube manobrar entre todos os homens influentes de direita,
servindo interesses e cultivando o papel de homem sério e impoluto na linha do seu
grande inspirador, Oliveira Salazar.
Ontem, depois de ter investido Pedro Passos
Coelho 1º Ministro do próximo governo do país, por ter sido o líder mais votado
nas eleições, abriu a alma e deixou os portugueses na dúvida se investirá, também,
António Costa do PS, no caso de Passos Coelho cair por uma moção de rejeição
votada na Assembleia e aquele se apresentar a formar novo governo com o apoio
maioritário dos deputados comunistas e do BE.
Ficou claro que se o vier a fazer, o seu coração
sangrará de dor e o seu curriculum político ficará, aos seus olhos, manchado ... e,
logo agora, quando estava mesmo a chegar ao fim da sua vida política.
O espírito democrático de Cavaco faz-me lembrar
Henry Ford, salvaguardadas as diferenças, quando no princípio da sua carreira
de construtor de automóveis em série, que se vendiam como papo-secos, dizia que
os seus clientes tinham toda a liberdade para escolher a cor que qui sessem para o seu automóvel... desde que fosse
preto!
Tal como Cavaco dirá que investe qualquer um “desde
que não seja comunista, aparentado ou seu vizinho...”
Mas Henry Ford não estava sozinho, tal como
Cavaco também não estará, nesta liberdade coxa pois os fabricante europeus de
automóveis do pós – guerra: ingleses, franceses, italianos, também só vendiam
carros pretos.
Eu sei, porque sou desse tempo, tal como o
Cavaco que tem a minha idade, e recordo muito bem o Vauxall que o meu pai
comprou, logo a seguir à guerra com a matrícula IE-12-86, preto, como todos os
outros, dentro da liberdade de escolha que os compradores tinham, o que não
obstou a que ele tivesse feito as delícias da minha meninice.
Talvez Cavaco esteja, também ele, preso a
fortes recordações da infância, daquelas que marcam para o resto da vida,
heranças de família, coisas genéticas, influências, religiosidade, disciplina e
obediência características desses tempos e que não casam facilmente com
liberdade e democracia.
Um pouco de tudo isso que ele disfarçou mal ao
longo da vida com uma capa de verniz que ontem estalou.
Os comentadores da política focam-se nos
poderes do Presidente da República inscritos na Constituição, analisaram a
letra e o espírito da lei fundamental, aqui lo
que ela diz e o que não diz.
Mas eles não mergulharam no coração daquele
homem que sempre sentiu um ódio contido pelos comunistas e que agora, no fim da
sua vida política, pode vir a ser confrontado com um “estender de mão”, um
débil gesto de aceitação que seja, para com aqueles que nasceu e aprendeu a
renegar e esconjurar... o que é muito mais difícil do que ter levado Henry Ford, no pós-guerra, a
fazer sair das suas linhas de produção em série, um carro amarelo.
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