(Domingos Amaral)
Episódio Nº 113
Aquela antiga lembrança
pareceu desequi librá-lo e,
enfurecido, deu meia-volta e saíu do quarto. Desceu as escadas a correr,
pregando, no final um violento pontapé na porta, que saltou das dobradiças.
A sua fúria parecia
impossível de estancar, e atravessou o pátio às biqueiradas em barris e fardos
de palha. Por fim, entrou de rompante no quarto onde pernoitava e logo saíu de
volta com uma espada na mão.
Colérico, vergastou o
alpendre, sulcando as vigas de madeira e trespassou mais barris e fardos,
desvairado e aos urros:
- Canalhas, malditos!
Só perante a chegada de meu
pai, Egas Moniz, o meu melhor amigo acalmou e suspendeu aquelas brutais
investidas. Eu estava na varanda, e vi-o a arfar e a ranger os dentes.
Meu pai e ele ficaram a
olhar um para o outro calados, como se soubessem que um novo tempo, conturbado
e perigoso, iria começar.
Depois, estranhamente
sereno, Afonso Henriques disse a meu pai, antes de entrar em casa:
- Preparai-vos para a guerra.
Meu pai ficou no alpendre,
pensativo, a mirar a habitação da rainha, no interior da qual se via ainda a
luz trémula das velas.
Depois, minha prima Raimunda
apareceu vinda do escuro onde se escondia para todos espiar, e quando se
preparava para entrar o meu pai apenas lhe disse.
- Hoje não, deixai-o sozinho.
Viseu, Domingo de Páscoa,
Abril de 1126
Quando se soube da sua
partida, suspeitei de que Ramiro decidira fugir do pai. É evidente que ele
teria preferido mil vezes que Chamoa casasse com o príncipe pois assim ficaria
longe dela, e o seu coração não sofreria tanto. Com aquela decisão da rainha
sentia-se enlouquecer.
Não poderia regressar à
Maia, seria incapaz de ver Chamoa nas mãos e na cama do seu progenitor. Ao
planear a sua escapada, confessou-me tempos mais tarde, lembrara-se de
Gondomar.
Ouvira-o dizer que partiria
de Viseu no domingo e a ideia de se juntar à Ordem dos Pobres Cavaleiros de
Cristo pareceu-lhe a única saída.
Ao fazê-lo aproximava-se
perigosamente do segredo da relíqui a,
que só seu pai conhecia.
Naquela noite, Ramiro levou
apenas o arco e as flechas, e correu pelas ruas, saindo por uma das portas da
muralha. Já na estrada além de vários mendigos que se arrastavam enregelados,
viu uma mulher que caminhava à sua gente.
Era alta e forte e estava
enrolada num manto para se proteger do frio da noite. Ao ouvir passos virou-se
para ver quem a seguia e Ramiro perguntou-lhe pelos homens de Gondomar.
Acho que já partiram –
informou ela.
Disse que se chamava Elvira
e sorriu levemente quando Ramiro lhe perguntou onde podia encontrar uma
montada.
- Ides roubar um cavalo?
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