quarta-feira, dezembro 23, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 139


















Contudo, como se situava na fronteira com Leão, essa proximidade aumentava o grau de ousadia da investidura, transformando-a numa clara provocação ao seu primo.

A juntar a isso, ir a Zamora, implicaria a ausência de Afonso Henriques na cerimónia solene que o novo rei marcara para Ricolayo, e para a qual convidara todos os nobres dos três reinos, com o objectivo de confirmar as suas vassalagens.

A mensagem era, pois, límpida. A mãe podia prestar vassalagem a Afonso VII, mas ele não o faria e, em vez disso, armava-se cavaleiro!

Por fim, havia naquele gesto, um sofisticado requinte de imitação. Dois anos antes, industriado pelo Arcebispo Gelmires, Afonso Raimundes, também se armara a si próprio cavaleiro na Catedral de Santiago, contra a vontade da sua mãe, Urraca.

Como se sabia, morta a mãe, ele era agora o novo rei. A mesma lógica futura se devia deduzir do gesto de Afonso Henriques, mal a mãe morresse, seria o rei portucalense.

É evidente que todos – Paio Mendes, meu pai, meu tio, Gonçalo e eu – estávamos conscientes do perigo da situação. A dupla afronta podia gerir uma dupla guerra.

Por um lado, Dona Teresa ficava fragilizada com esta investidura, pois todos sentiriam que já não mandava no filho.

Por outro, imitar Afonso VII era convocar a sua ira. O Príncipe Afonso Henriques não iria aceitar facilmente que um dos seus principais súbitos o desafiasse assim!

A viagem foi, portanto, organizada em segredo. Zamora não era longe de Ricobayo, e quando a comitiva do príncipe saiu de Guimarães o destino oficial era esse, e só perto dele nos desviámos.

Ao chegarmos a Zamora, Afonso Henriques deu ordem aos escudeiros para levarem as suas armas para o interior da Catedral.

Já lá dentro, aproximou-se do altar principal, de São Salvador, ajoelhou e rezou. O compenetrado Paio Mendes estava a seu lado, enquanto atrás dele, se mantinham meu tio Ermígio, sempre distinto na sua bela dalmática, eu e Gonçalo, os únicos amigos presentes.

Do lado direito ficou meu pai, Egas Moniz, junto a um grande cofre de ferro.

Vi o príncipe levantar-se, dar um passo em frente e começar a vestir a cota de malha e a loriga. Depois, colocou a armadura, apertou as fivelas, pôs o capacete e voltou a olhar para o altar onde a figura de Cristo, na cruz, se realçava.

Então, meu pai, Egas Moniz, retirou do cofre uma grande espada e entregou-a ao príncipe

 - É a espada de vosso pai – disse-lhe.

O meu melhor amigo colocou-a na bainha, à cintura. Em silêncio proferiu nova oração, mexendo apenas os lábios, enquanto Paio Mendes e meu pai davam um passo atrás e ajoelhavam, junto a nós.

Agora, só o príncipe estava de pé, e em cima do altar só restava o escudo, a última peça das suas armas. Em silêncio, ergueu-o com a mão direita e depois enfiou o braço esquerdo por dentro da alça, para o segurar.

Estava agora com as armas todas em frente de Deus, e tendo como testemunhas um arcebispo, os seus aios e dois amigos, rezou uma nova oração e com um gesto lento mas seguro, retirou a enorme espada de seu pai da bainha, com a mão direita.

Levantou-a e pousou-a ligeiramente sobre o altar, ante de a erguer de novo de novo na vertical e de levar o seu punho direito à altura do peito.

Todos suspendemos a respiração. Sabíamos estar a presenciar um momento único das nossas vidas. Éramos os mais próximos daquele príncipe, que amávamos e considerávamos o nosso corajoso chefe.

Faríamos por ele o que nos pedisse e, caso fosse necessário, morreríamos a defendê-lo. 

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