segunda-feira, março 14, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 212




















Guimarães 24 de Junho de 1128



Os dois lados da contenda já se haviam entendido sobre o dia e o local da contenda. Afonso Henriques já fora visitado pelo novo mestre da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, Jean Raymond, também borgonhês como seu pai, que o havia informado do discreto apoio que a Ordem lhe daria, a mando de Bernard de Claraval.

Apesar de ser uma deslealdade formal, pois fora Dona Teresa, tempos antes, doara Soure ao mestre Gondomar e à sua Ordem, Jean explicara que razões do foro do Altíssimo justificavam tal decisão, adiantando que o abade de Claraval escolhera o príncipe para liderar o combate aos serracenos.

Agradado, este aceitou a sugestão de que a batalha se travasse no dia de São João Batista, santo padroeiro da Ordem, precursor do Messias e aquele que anunciara um novo reino, como se anunciava também Portugal.

Nesse ano, o dia em causa era de solstício, o que confirmava a batalha de São Mamede como um ordálio, onde o céu benzia os seus protegidos, os portucalenses.


Na manhã do combate, minha prima Raimunda rumou até ao acampamento do adversário, para melhor o espiar. Ela sempre nos foi muito útil, pois passava despercebida.

Através dela soubemos muita coisa importante que ocorrera naquele dia.

O primeiro local a que se dirigiu foi precisamente à tenda de Dona Teresa, onde ficou a saber que um grupo inicial, liderado por Paio Soares que integrava os poucos nobres portucalenses que o seguiam e cujo número total se aproximava dos mil homens, formaria a vanguarda das tropas de Dona Teresa.

No centro iriam os irmãos Fernão e Bermudo Peres de Trava, acompanhados pela maioria dos nobres galegos, e mais de mil e oitocentos homens.

Na retaguarda ficaria o relutante Peres Cativo com os duzentos soldados restantes que serviriam como reforços para qualquer eventualidade.

Na verdade, esse motivo mascarava outro, que era a desconfiança que se apoderara de Fernão Peres de Trava quanto à lealdade de Peres Cativo. Mantendo-o longe impedia-o de sabotar o confronto.

Depois de junto à tenda de Dona Teresa, escutar a reunião de altos comandos, Raimunda rastejou furtivamente até à de Paio Soares, à porta da qual conversavam Chamoa e as três mouras.

Não percebo como haveis deixado vosso marido vos filhasse! Exclamou Fátima – E se vos emprenha pela terceira vez, e hoje morre?

Chamoa angustiou-se e tapou a cara com as mãos enquanto Zaida a abraçava e Zulmira repreendia a filha mais velha.

- Fátima, não queremos maus agoiros, calai-vos!

Dirigindo-se a Chamoa, Zulmira tentou tranquilizá-la:

 - Descansai, menina, Paio Soares não vai morrer.

Disse-o com tal convicção que a rapariga destapou a cara e forçou um sorriso, mas logo Fátima contrapôs:

 - O Afonso Henriques se puder corta-o às postas!

Chamoa indignou-se, recordando-se das promessas que obrigara ambos os homens a fazerem e Zulmira repetiu a sua benigna profecia.

Não vos assusteis, tudo correrá bem.

Enervada Fátima levantou-se e afastou-se delas, barafustando:


 - Só dizeis aquilo que ela quer ouvir, e sei bem porquê! A mim nunca me vereis deitada na cama com uma cristã!

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