quarta-feira, março 30, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos do Amaral)


Episódio Nº 226



















Propositadamente não referira Celanova, para não apoquentar a sua amiga Teresa, a quem logo chamou para que lhe beijasse a mão.

A esposa de meu pai, corando, ajoelhou e osculou o anel real, ruborizada, ela levantou-se e, sem olhar para o esposo, afastou-se.

Então, meu pai, mandou avançar os filhos. Beijamos a mão do monarca e ajoelhamos ali. Meu pai, também, em frente de Afonso VII e tocou-lhe no anel com os lábios, baixando a cabeça.

O rei, com requintes de malícia, segredou-lhe ao ouvido

 - Flhai-a por trás , velho Egas, que ela gosta e talvez emprenhe!

Meu pai empalideceu mas nada disse. Nessa noite, ainda em Toledo, estávamos todos à volta da mesa a cear quando ele perguntou a Teresa de Celanova o que lhe segredara o rei.

Tolices de homem – respondeu a esposa.

Meu pai franziu o sobrolho, enervado:

_ Que tolices, ele envergonhou-vos?

Teresa de Celanova respirou fundo.

 - Meu bom marido, talvez seja a hora de saberdes o que se passou entre mim e Afonso Raimundes.

Enervado, meu pai exclamou:

 - Não quero saber de tais coisas!

Ela não lhe ligou e continuou:

 - Afonso Raimundes sempre se gabou de me ter filhado e eu nunca o desmenti. Prefiro que pensem assim. Para que pôr a palavra de um rei em causa, chamá-lo de mentiroso?

- Prefiro que mantenha o seu afecto por mim do que me despreze. Só temos ganho com isso...

Fiquei pasmado com a astúcia dela. Ou era uma finória e enganava bem meu pai e a todos nós; ou era uma mestra da inverdade, e enganava o mundo inteiro.

Fosse como fosse, era impossível não admirar a sua inteligência, pois das duas vezes obtivera de Afonso VII o que desejara.

Além de bela és uma mulher admirável – murmurou meu pai.

Todavia, uma sombra de tristeza pousou no olhar da esposa. Mas não vos consigo dar filhos – lamentou-se ela.

Meu pai abraçou-a e depois ambos se retiram para o quarto deles. Lembro-me que, quando nove meses mais tarde nasceu o nosso meio irmão, o Soeiro, que era o mais malandro dos três filhos de Dórdia, comentou que naquela noite, em Toledo, nosso pai deve ter seguido o tórrido conselho de Afonso VII.

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