Pacheco Pereira |
Há uma certa
tristeza nisto
tudo...
«Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como
são. O país conhece um ritmo depressivo quotidiano. De vez em quando, há um
crime hediondo. Uma mãe mata as filhas.
De vez em quando, é preso alguém
importante e respeitável. Um procurador.
De vez em quando, há um pequeno
sobressalto porque alguém quer pôr árvores a servir de separadores de uma
estrada.
De vez em quando, há um pequeno sobressalto porque alguém quer deitar
abaixo umas árvores.
De vez em quando, há uma jovem actriz de telenovelas que
tem cancro e, como não sabe viver fora dos holofotes, leva o seu cancro a tudo
quanto é capa. As melhoras.
De vez em quando, há mais um caso de violência
doméstica.
De vez em quando, um pescador ou um operário ou um desempregado que
arredonda o seu orçamento apanhando bivalves no Tejo morre afogado. De vez em
quando.
Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são.
Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são.
Quase sempre, a
todas as horas, há futebol. Discute-se antes, durante, depois. Os canais
noticiosos, que deviam acrescentar-se aos canais desportivos, são tanto ou mais
desportivos e cada vez menos noticiosos.
Se um começa um painel sobre futebol,
nenhum outro se atreve a fazer qualquer outra coisa que não seja outro painel
sobre futebol. Nada mobiliza mais os portugueses, em particular como
espectadores, telespectadores, ouvintes, conversantes, tertulianos e habitantes
de mesas de café, do que a bola.
Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são.
Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são.
Na política, o
país está num impasse, mas parece que não.
Como acontece por toda a Europa, a
impotência do poder político democrático face ao poder económico castrou
governos eleitos e submeteu-os a entidades obscuras como os “mercados”, onde o
grosso do dinheiro que circula não tem pai nem mãe, a não ser numa caixa de
correios das ilhas Caimão.
O sistema político democrático, a representação
partidária tradicional, está numa crise que parece não ter saída. Os partidos
do “arco da governação”, ou seja, os que têm o alvará de Bruxelas, do senhor
Schauble, da Moody’s e da Fitch, ainda ganham as eleições num ou noutro país,
mas ninguém os quer ver a governar outra vez, pelos estragos que fizeram à vida
dos homens comuns para salvar a banca, não tendo no fim salvado coisa nenhuma.
Por isso, coligações negativas, com mais ou menos sucesso, surgem em Portugal, na Espanha, na Irlanda, ou fortes partidos radicais, nacionais e populistas, na França, na Grécia, na Polónia, na Hungria.
Por isso, coligações negativas, com mais ou menos sucesso, surgem em Portugal, na Espanha, na Irlanda, ou fortes partidos radicais, nacionais e populistas, na França, na Grécia, na Polónia, na Hungria.
Ou partidos como o Labour reencontram
um mundo do “trabalhismo” que se decretara ser arcaico. São tudo partidos muito
diferentes, uns à esquerda, outros à direita, mas têm uma coisa em comum:
contestam o poder transnacional da União Europeia, e o pensamento único em
economia que daí emana por diktat.
Uns mais o primeiro, outros mais o segundo.
Contestam a promiscuidade que juntou socialistas com partidos do PPE, numa
aliança que tornou o “não há alternativa” na ideologia autoritária dos nossos
dias.
Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são.
Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são.
Temos um Governo
único na Europa, sem precedente por cá, sem paralelo por lá. Mas mesmo isso
normalizamos, até porque como eles não estão muito entusiasmados com o feito,
também não entusiasmam ninguém.
O PS, apesar da vaga de insultos, de que se
“descaracterizou”, traiu as suas origens, abandonou o papel de resistente ao
PREC, “radicalizou-se”, é “terceiro-mundista”, etc., etc., é, imagine-se!, o
mesmo de sempre.
O BE está demasiado contente consigo próprio para olhar bem
para o que se está a passar. Dedica-se todos os dias a uma causa nova, uma nova
reivindicação, uma nova reclamação, sem sequer dedicar qualquer esforço a
consolidar as que fez.
Acha que está num momento alto de “luta” quando a luta,
séria, dura, árdua, lhe passa ao lado. O PCP sabe que precisa de mudar, mas não
sabe como.
Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são.
Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são.
O PSD referve de
raiva, como se vê quando Passos Coelho abre a boca. Tornou-se mais revanchista
do que o CDS, e não tem outra estratégia que não seja garantir que haja
eleições a curto prazo. Já teve melhores condições para as ganhar, hoje cada
dia tem menos.
A metamorfose “social-democrata” parece a toda a gente como
oportunista, a começar pelos neoliberais que Passos reuniu à sua volta, para
quem o PSD é um instrumento de acesso ao poder, mas que gostam mais do CDS.»
Autor:
Pacheco Pereira.
Nota - Pacheco Pereira não falha na sua análise. Ouço-o todas as semanas, desvinculado de interesses partidários, profundo conhecedor da realidade política e Europeia, na sua qualidade de historiador, ele diz o que a mim me vai na alma e por isso me dói porque sinto que é verdade, uma verdade que pode levar à desagregação da Europa.
"A impotência do poder político democrático face ao poder económico castrou governos eleitos e submeteu-os a entidades obscuras como os “mercados”, onde o grosso do dinheiro que circula não tem pai nem mãe, a não ser numa caixa de correios das ilhas Caimão".
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