(Domingos Amaral)
Episódio Nº 237
Coimbra, Julho de 1129
Compreendo que Ramiro tenha
ficado transtornado com a fraude de que foi vítima. Nunca desconfiara daquele
pastor, que sempre lhe parecera empenhado, modesto e leal.
Admito mesmo que entre eles
existisse afecto e outras coisas, e talvez isso os tenha cegado. Foi o Rato que
não gostava dele por razões óbvias, a duvidar do seu afastamento tão rápido da
cerimónia.
Quando descera do palanque,
depois de ser benzido pelo bispo, o pastor desaparecera do pátio. Incomodado, o
Rato avisara Ramiro que estranhara tal comportamento.
Nesse entretanto, Gonçalo,
notara igualmente que as mouras e Mem se tinham evaporado. Irritado, ouviu-o
vociferar:
- Não será um reles almocreve que me passa a
perna!
O Rato, sempre desconfiado,
suspeitou.
- O pastor foi atrás delas...
Tanto Ramiro como Gonçalo
pareciam confundidos, mas alguém raciocinou mais rápido do que eles. O meu
melhor amigo, Afonso Henriques, acreditou que algo de grave se estava a passar
e ordenou-nos que o seguíssemos.
Corremos pelo pátio, mas
quando chegámos ao castelo, os guardas disseram-nos que não haviam visto
ninguém.
Então Ramiro exclamou:
- Devem estar no casão do almocreve!
O Rato, que corria muito
depressa, foi o primeiro a chegar ao barracão. Abriu a porta e entrou, logo
seguido pelo príncipe. Ao ver o pastor de espada erguida sobre Fátima retirou o
cinto do punhal que um dia roubara a Paio Soares.
Porém, Afonso Henriques,
roubou-lho da mão, pousou o joelho direito no chão e arremessou-o.
Quando entrei, vi Mem no
chão a sangrar no nariz e ao lado dele um corpo sem cabeça. E vi o assassin, ainda de pé mas já com o
punhal lançado pelo meu melhor amigo cravado na garganta.
Mortalmente ferido, tombou
para a frente, estremecendo na palha até morrer.
Nas horas que se seguiram,
um ambiente pesado e triste abateu-se sobre Coimbra. O príncipe mandou chamar
curandeiros mas não havia nada a fazer por Zulmira que falecera imediatamente.
O fedayin tivera o mesmo
destino. Mem foi tratado, Colocaram-lhe uma ligadura na testa e no olho
direito, embora ninguém lhe conseguisse curar o sofrimento que o seu coração
sofria.
O corpo de Zulmira, já com a
cabeça junta e enrolado num véu foi levado para uma das cript as da Sé, Por ordens de Afonso Henriques, que
obrigou os cristãos a velarem aquela mulher muçulmana, que muitos diziam ter
sangue real.
Quando a noite caiu, Mem foi
autorizado a juntar-se às filhas dela dentro da cript a,
onde já estava o pároco André Salomão, que por ser moçárabe, conhecia melhor os
ritos fúnebres muçulmanos, e que pouco depois apresentou ao príncipe o pedido
especial que Fátima e Zaida lhe faziam: que as deixasse levar a mãe para
Córdova, para o castelo de Hisn Abi Cherif, onde estavam também enterrados os
dois maridos de Zulmira.
Gonçalo prontificou-se a
acompanhá-las, o que provocou um ligeiro sorriso do príncipe que estava
decidido a autorizar aquela expedição, quando algo de inesperado aconteceu.
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