(Domingos Amaral)
Episódio Nº 236
Entusiasmado, o almocreve despiu o saiote,
o que provocou gritinhos de júbilo nas duas e começou a abraçá-las com fervor. Rindo,
Zulmira retirou as roupas a Zaida e depois a filha fez-lhe o mesmo.
O sonhp do almocreve estava a realizar-se,
iria amá-las, primeiro Z7ulmira e depois, finalmente, Zaida, sendo o primeiro
homem do mundo a possui-la.
Estava já sentado na manta, observando-as
e beijando-as à vez, quando de repente viu Fátima a aproximar-se, pálida tensa.
Com um choque de terror, Mem reparou que
atrás dela estava um desconhecido.
- Quem sois? – gritou.
Zulmira e Zaida levantaram as cabeças ao
mesmo tempo e desataram a berrar, enquanto Mem cerrava os punhos, furioso.
O seu arco e flechas estavam junto à
entrada, não conseguiria chegar lá sem passar pelo intruso. Reparou que este
tinha uma espada apontada às costas de Fátima, mas ficou surpreendido quando
ele a baixou.
Reconheceu-o, era o pastor, o preferido de
Ramiro! Mem teve uma fugaz sensação de alívio. Não lhes ia fazer mal, era um
Templário de Soure. Contudo, o homem começou a ter um comportamento estranho.
Retirara o manto branco dos ombros, voltava-o do avesso e agora estava a
vesti-lo de novo.
Mem continuava sentado no chão e nu, com
as duas mulheres atrás de si também espantadas. Fátima, por sua vez,
mantinha-se a tremer.
O que quereis, insistiu o almocreve.
O pastor colocou o capuz na cabeça.
Depois, retirou uma corda do braço e enrolou-a à cintura, e Mem reparou que ela
estava vermelha e paralisou de pavor.
Em poucos momentos o templário transformara-se
no assassin!
O pastor era a Morte com Duas Pernas e
vinha finalmente cumprir as ordens do califa! Aterrado, Mem levantou-se de um
pulo, mas logo o fedayin lhe apontou
a espada:
-
Afastai-vos. Elas é que têm de morrer, são as ordens do Ali Yusuf.
Sem aviso, a corajosa Fátima lançou-se
sobre fedayin, tentando surpreendê-lo, mas este era mais rápido e com um encontrão
atirou-a ao chão.
Mem sabia que se queria salvá-las tinha de
arriscar a vida, pois precisava de passar pelo assassin para chegar ao arco e às flechas.
Deu um pulo para a sua direita e atirou um
balde ao fedayin mas este afastou-o com a espada, e com a mão esquerda deu dois
violentos murros em Mem, o primeiro na barriga, que o fez dobrar-se de dor e o
segundo nos olhos e no nariz que logo espirrou sangue, fazendo o almocreve cair
atordoado.
O assassin apontou-lhe a espada num
instante e, nesse curto espaço de tempo em que parecia ir atacá-lo, Zulmira
correu para o almocreve, aterrada por o ver magoado, e ajoelhou-se junto dele.
Mem querido... – balbuciou.
Foi um erro fatal. Vendo-a a seus pés, à
sua mercê, o fedayin levantou a espada e com um gesto duro, brusco e preciso
degolou ali mesmo Zulmira, cuja cabeça caiu e rolou 0pela palha.
Ouviu-se o lancinante grito de Fátima,
enquanto Zaida desmaiava em cima da manta.
Mem, ainda atordoado, sentiu o coração
rasgar-se de dor. O monstro que lhe matara o pai matara-lhe também Zulmira!
Apesar da névoa que lhe toldava a visão. Reparou
que Fátima pegara numa enxada e a levantava no ar, tentando atingir o fedayin. Mem
arrastou-se, queria chegar às flechas às flechas mas não conseguiu, o estômago
soltou-se e desatou a vomitar.
Quando voltou a olhar, a enxada já voara
das mãos de Fátima e ela estava no chão, à frente do assassin, que levantava a espada para a degolar também.
Mem procurou uma pedra, uma madeira, algo
que lhe pudesse atirar mas não havia nada, e gritou, desesperado.
Pela terceira vez ia ver uma pessoa que
amava ser degolada pela Morte com Duas Pernas!
Então, ouviu um barulho, seguido de um
zumbido, sentiu uma deslocação de ar e notou que a espada não caiu sobre o
pescoço de Fátima.
De súbito, o fedayin agarrou-se à
garganta, gorgolejando e Mem viu qualquer coisa cravada no pescoço dele, sangue
a espirrar e dirigiu o seu olhar enevoado para a entrada do celeiro.
Horas depois, Mem contou-me que vira o
Rato, mas também outro homem, com o joelho direito pousado no chão e a mão
fechada no ar depois de lançar o punhal.
Era o príncipe de Portugal e meu melhor
amigo, Afonso Henriques. Nesse momento, Mem ouvira uma voz longínqua na sua
cabeça, as palavras da bruxa, em Soure, quando a reencontrara.
«Só pode ser morto pelo Califa ou por
outro Rei».
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