sexta-feira, abril 08, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 235





















Antes de mais, a disciplina não falta entre estes. Não têm desprezo pela obediência. Sob a ordem do chefe, vão, vêm; veste-se o hábito que ele dá e não se espera e não se espera de outrem nem a roupa, nem a alimentação.

Tanto na vida como nas vestimentas evita-se o supérfluo; reserva-se a atenção para o necessário. É a vida em comum levada na alegria e na mesura sem mulher nem filhos. E para que a perfeição angélica seja realizada todos habitam na mesma casa sem nada possuírem em particular.

Entre eles, não há referências de pessoas, julga-se segundo o mérito e não de acordo com a nobreza. Nunca uma palavra insolente, uma tarefa inútil, uma gargalhada excessiva, um murmúrio, por mais fraco que seja, ficam impunes.

Detestam o xadrez, os jogos de azar, têm horror à caça com galgos e a cavalo e nem sequer se divertem com a caça de altanaria com quem tantos se deleitam.

Os mimos, os que lêem a sina, os jograis, as canções jocosas, as peças de teatro são, a seus olhos, tão cheias de vaidade e de loucura que se afastam delas e as abominam.

Têm os cabelos curtos porque sabem que, segundo as palavras do apóstolo é vergonhoso para um homem cuidar da cabeleira. Nunca se penteiam e raramente tomam banho!

É assim que são vistos, descuidados, hirsutos, negros de poeira, com a pele queimada pelo sol e tão bronzeada como a sua armadura!»


As reacções àquelas palavras foram divertidas. Afonso Henriques, por exemplo, torceu o nariz quando Ramiro disse que os Templários tinham horror à caça. O meu melhor amigo não podia aprovar tal restrição! Já Fátima fez uma careta repugnada quando ouviu dizer que os Templários raramente tomam banho.

Os costumes muçulmanos incentivavam os banhos diários e higiénicos, e ela não entendia aquela apologia da sujidade que era, aliás, contraditória com a apresentação do momento, pois as cotas de malha dos monges guerreiros resplandeciam ao sol e os seus mantos brancos apresentavam-se diáfanos e puros.

De qualquer forma, isso não foi o mais importante. Mal Ramiro terminou, gerou-se uma certa confusão. Os monges teriam de ser benzidos pelo bispo, um a um, e distraímo-nos quando o processo começou.

 O pastor foi o primeiro a avançar, e os olhos estavam postos nele. Todos esquecemos Mem e as três mouras que, aproveitando a agitação gerada pela bênção dos Templários, desapareceram.

Os quatro correram pela rua aliviados, e o almocreve sugeriu que fossem para o seu celeiro onde ninguém os iria procurar.

Zaida deu um gritinho feliz e desceram para a Almedina. Quando entraram a correr no barracão de Mem, este fechou a porta. No entanto, e como sempre, Fátima, não quis brincadeiras  e o almocreve sugeriu-lhe que se sentasse à entrada a apreciar uns tecidos que trouxera de Lisboa.

Já em cima da palha, ao fundo do celeiro Mem estendeu uma grande manta e logo Zaida e sua mãe se deitaram nela.

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