(Domingos Amaral)
Episódio Nº 234
Depois de passar os olhos sobre os monges
cavaleiros em formatura à sua frente, Ramiro empertigou-se e leu:
- « São necessárias três coisas principais
na batalha: que um cavaleiro esteja alerta para se defender, seja rápido na
sela e esteja pronto para o ataque.
Mas, pelo contrário, penteai-vos como
mulheres, o que dificulta a vossa visão; embaraçais os pés em camisas longa e
largas e escondei as vossas mãos delicadas dentro de mangas largas e de amplas
aberturas.
E, assim ataviados, batei-vos pelas coisas
mais vãs, tal como a cólera irracional, a sede de glória ou a cobiça dos bens
temporais. Matar ou morrer por tais objectos não põe a alma em segurança!»
Notei que Gonçalo, todo aperaltado, ficara
incomodado com aquelas palavras críticas. Tentara pentear a franja e puxara as
mangas da dalmática para cima, libertando os punhos e os braços, quando ouvira
Ramiro falar em mangas largas.
Já os monges guerreiros, a quem se
destinavam aquelas regras, recebiam-nas com solenidade. O Rato, compenetrado e
de cabeça baixa; o Peida Gorda a rezar baixinho; o Velho e o pastor, tensos e
hirtos, com um brilho nos olhos.
No púlpito, Ramiro continuou:
- «O Cavaleiro de Cristo mata em
consciência e morre tranqui lo: ao
morrer obtém a sua salvação; ao matar, trabalha para Cristo. Sofrer ou dar a
morte por Cristo não tem, por um lado, nada de criminoso e, por outro merece
uma imensidade de glória.
Sem dúvida que não seria necessário matar
os pagãos, tal como os outros homens, se tivéssemos outros meios de deter as
suas invasões e de impedir de oprimir os fiéis. Mas, nas circunstâncias
presentes, é melhor massacrá-los do que deixar a vara dos pecadores suspensa
sobre a cabeça dos justos expostos a cometerem também a iniqui dade.
Se nunca fosse permitido a um cristão
bater com a espada o precursor de Cristo teria apenas recomendado aos soldados
que se contentassem com o seu soldo?
Não lhes teria antes proibido o ofício das
armas?
Mas não é assim, pelo contrário»
Reparei que Zulmira e Zaida estavam
alarmadas, decerto temendo que aquelas empolgadas argumentações fossem descambar
numa guerra aos muçulmanos a sul da cidade.
Depois, olhei para Mem e recordei as
histórias sobre a bruxa das cavernas e a relíqui a
que os Templários procuravam desde a chegada de Gondomar a Soure.
Que seria feito da bruxa? – O almocreve
contara-nos que passara duas vezes pelas cavernas, mas não havia sinal dela.
Teria morrido? E o que era a relíqui a?
Ninguém me fora capaz de esclarecer.
A voz de Ramiro soou no pátio da Sé:
- «Agora, para dar aos nossos cavaleiros,
que militam não para Deus mas para o diabo, um modelo a imitar, ou antes, para
os inspirar a fazer sair da confusão, contarei em breves palavras o tipo devida
dos cavaleiros de Cristo, o seu modo de se comportarem tanto na guerra como em
suas casas.
Quero que se veja claramente a diferença
que existe entre os soldados seculares e os de Deus!
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