sexta-feira, abril 15, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 241

















Coimbra, Julho de 1129





Miguel Salomão contou-nos que, no pátio os homens falavam de punhais, do passado e do futuro, dentro da cripta uma violenta discussão entre as duas irmãs mouras.

Sentadas num banco de madeira corrido, velavam o corpo da mãe, envolta numa túnica de linho e deitada de lado com a cara virada para Meca.

As criadas haviam limpo o sangue, mas ainda se viam ligaduras tingidas de vermelho na zona do pescoço, tal fora a brutalidade daquela decapitação.

À porta da sala tumular, o pároco Miguel Salomão rezava pela alma de Zulmira, escutando o que as filhas diziam.

Abu Zakaria estragou tudo! Agora o príncipe já não nos deixará ir a Córdova! – protestou Zaida.

Fátima enfureceu-se:

 - Tenho a certeza de que vós estais satisfeita com isso! Sempre a fazer olhinhos aos cristãos! Ao Gonçalo e até ao burro do príncipe! Não vos chega Mem?

Zaida abanou a cabeça exasperada.

- Nossa mãe também adorava Mem!

Fátima bufou, impaciente.

- Esse, ainda compreendo, é moçárabe! Agora cristãos? Se pudesse cortava-lhes a cabeça a todos! Não escapava um! E podeis ter a certeza de que o Abu vai voltar, e vai matar essa gente toda! As ruas de Coimbra vão tingir-se de sangue!

Depois de uma curta pausa, a irmã mais nova encolheu os ombros.

Não deve ser tão bom guerreiro como dizeis. Já é a terceira vez que tenta vir buscar-nos e falha sempre.

Ferida no orgulho que sentia pelo seu amado, Fátima exclamou:

- É uma cidade inteira contra ele! Estes porcos reproduzem-se como coelhos, têm imensos soldados! Zaida voltou a encolher os ombros, indiferente ao ódio da irmã e relembrou:

 - Estamos à treze anos cativas e nunca nos fizeram mal.

Fátima replicou de pronto, com uma careta enojada:

- Mas vão fazer! E vós em vez de olhardes como o Corão nos ensina, andais para aí a rir-vos com eles! Quereis emprenhar de um cristão, como a nossa avó Zaida?

A irmã encolheu de novo os ombros e perguntou:

- Que mal tinha? Cristo também é nosso profeta, tal como Moisés ou Abraão.

Irritada, Fátima protestou:

- Onde haveis lido tal infâmia? Deve ter sido nas bibliotecas cheias de mofo desta Sé! Sei bem o que diz o Corão, e o que a nossa mãe nos ensinou!

Olhou em volta e continuou:


 - Esta guerra dura há séculos, mas o El-Andaluz é nosso! Se o Califado de Córdova não tivesse terminado, ainda hoje mandaríamos em terras de Coimbra! Virá o dia em que voltarão a ajoelhar à nossa frente!

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