(Domingos Amaral)
Episódio Nº 251
Terminado aquele quente
momento campestre, conversaram sobre Paio Soares e São Mamede, sobre as lutas
que se anunciavam entre a Galiza e o Condado Portucalense e sobre o tio de
ambos Fernão Peres.
Depois, regressaram ao
mosteiro, e o primo despediu-se dela com formalidade, para as monjas não a
repreenderem de forma mais grave do que aquela curta evasão impunha.
Nessa noite, na sua cama, no
mosteiro, Chamoa dormiu um sono profundo e sem terrores, suores ou aflições, na
primeira noite de paz e de ressurreição que teve desde que entrara no Vairão.
Nos dias seguintes, uma nova
lucidez pousou sobre ela, e revisitou o passado com sabedoria e seriedade. Aos
poucos, foi-lhe nascendo um arremesso de coragem na alma, que era o consolidar
de uma transformação em marcha.
A satisfação do prazer
carnal com o primo amainara as pulsões do corpo e aclarara-lhe o espírito,
libertando os seus sentimentos da dor, e fazendo regressar a possibilidade do
amor.
Minha esposa Maria, quando
eu lhe disse que estranhava uma tão forte mudança em Chamoa só por causa de uma
tarde com o primo, garantiu-me que o coração das mulheres é imprevisível, e que
não a admirava nada que aquela capitulação momentânea a tivesse feito perceber
que o amor que existia no seu coração e que ela julgava sepultado para sempre,
não tinha por objecto Mem Tougues, mas sim Afonso Henriques.
Ao estar com o outro
entendeu quem amava – sentenciou Maria.
E assim foi, depois desse
furtivo momento, Chamoa admitiu partir para Guimarães, pois voltou a sonhar com
Afonso Henriques, recomeçando a amá-lo.
Imaginava-se a cavalgar
pelos campos com ele, até à beira do rio da Loba, em Viseu, onde o tinha
beijado um dia. As suas fantasias eram tão intensas que, por vezes, já não
sabia se estava a dormir ou acordada, e as madres davam-lhe estranhos líqui dos para a acalmar, dizendo que os uivos
nocturnos dela perturbavam o sono das monjas vizinhas.
Porém, aquela nova argúcia
também a fez dar conta do grave erro que cometera ao revelar ao primo Mem
Tougues um segredo que Paio soares com ela partilhara, na véspera da batalha de
São Mamede.
Quando Afonso Henriques a
tentara impedir de entrar no mosteiro de Vairão, Chamoa omitira-lhe o que
sabia, mas no auge da folia abrira-se com o primo, que lhe revelara que Fernão
Peres, o Arcebispo de Gelmires e mesmo o rei Afonso VII, também procuravam a
relíqui a trazida da Terra Santa pelo
conde D. Henrique.
Teria o primo traído a sua
confiança? Relutante em acreditar, Chamoa esperou uma nova visita de Mem
Tougues, combinada para meados de Outubro.
Todavia, quando o primo não
voltou, nem sequer enviou qualquer mensagem, Chamoa teve a certeza de que ele a
enganara! Mortificada, sentia a dimensão da sua falha e, aterrada, decidiu
fugir para Guimarães.
Uma semana depois, pela calada da noite, roubou um enfezado cavalo do
mosteiro e cavalgou debaixo de uma chuva fria, apenas protegida por uma manta,
sem sequer saber que Afonso Henriques estava a caminho de Braga, onde fora
despedir-se da sua moribunda mãe.
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