quarta-feira, abril 27, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 251


















Terminado aquele quente momento campestre, conversaram sobre Paio Soares e São Mamede, sobre as lutas que se anunciavam entre a Galiza e o Condado Portucalense e sobre o tio de ambos Fernão Peres.

Depois, regressaram ao mosteiro, e o primo despediu-se dela com formalidade, para as monjas não a repreenderem de forma mais grave do que aquela curta evasão impunha.

Nessa noite, na sua cama, no mosteiro, Chamoa dormiu um sono profundo e sem terrores, suores ou aflições, na primeira noite de paz e de ressurreição que teve desde que entrara no Vairão.

Nos dias seguintes, uma nova lucidez pousou sobre ela, e revisitou o passado com sabedoria e seriedade. Aos poucos, foi-lhe nascendo um arremesso de coragem na alma, que era o consolidar de uma transformação em marcha.

A satisfação do prazer carnal com o primo amainara as pulsões do corpo e aclarara-lhe o espírito, libertando os seus sentimentos da dor, e fazendo regressar a possibilidade do amor.

Minha esposa Maria, quando eu lhe disse que estranhava uma tão forte mudança em Chamoa só por causa de uma tarde com o primo, garantiu-me que o coração das mulheres é imprevisível, e que não a admirava nada que aquela capitulação momentânea a tivesse feito perceber que o amor que existia no seu coração e que ela julgava sepultado para sempre, não tinha por objecto Mem Tougues, mas sim Afonso Henriques.

Ao estar com o outro entendeu quem amava – sentenciou Maria.

E assim foi, depois desse furtivo momento, Chamoa admitiu partir para Guimarães, pois voltou a sonhar com Afonso Henriques, recomeçando a amá-lo.

Imaginava-se a cavalgar pelos campos com ele, até à beira do rio da Loba, em Viseu, onde o tinha beijado um dia. As suas fantasias eram tão intensas que, por vezes, já não sabia se estava a dormir ou acordada, e as madres davam-lhe estranhos líquidos para a acalmar, dizendo que os uivos nocturnos dela perturbavam o sono das monjas vizinhas.

Porém, aquela nova argúcia também a fez dar conta do grave erro que cometera ao revelar ao primo Mem Tougues um segredo que Paio soares com ela partilhara, na véspera da batalha de São Mamede.

Quando Afonso Henriques a tentara impedir de entrar no mosteiro de Vairão, Chamoa omitira-lhe o que sabia, mas no auge da folia abrira-se com o primo, que lhe revelara que Fernão Peres, o Arcebispo de Gelmires e mesmo o rei Afonso VII, também procuravam a relíquia trazida da Terra Santa pelo conde D. Henrique.

Teria o primo traído a sua confiança? Relutante em acreditar, Chamoa esperou uma nova visita de Mem Tougues, combinada para meados de Outubro.

Todavia, quando o primo não voltou, nem sequer enviou qualquer mensagem, Chamoa teve a certeza de que ele a enganara! Mortificada, sentia a dimensão da sua falha e, aterrada, decidiu fugir para Guimarães.

Uma semana depois, pela calada da noite, roubou um enfezado cavalo do mosteiro e cavalgou debaixo de uma chuva fria, apenas protegida por uma manta, sem sequer saber que Afonso Henriques estava a caminho de Braga, onde fora despedir-se da sua moribunda mãe.

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