quinta-feira, maio 26, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)



Episódio Nº 17



















A pé, levando o cavalo pela rédea, Gonçalo de Sousa acompanhou-a pelas ruas de Coimbra, em direcção à casa onde as irmãs estavam instaladas, tendo ficado a saber que a rapariga tinha obtido uma autorização especial do bispo Bernardo para poder realizar as suas leituras na Sé.

Depois, já à porta da habitação, numa rua de Almedina, Gonçalo perguntou a Zaida se a irmã Fátima voltara a planear perigosas fugas.

Continua à espera do seu amado Abu, certa de que a virá buscar. Mas obriguei-a a prometer não se arriscar em loucuras solitárias!

Ao dizer isto, Zaida sorriu, dengosa, batendo as pestanas e Gonçalo de Sousa interpretou esse leve sinal como um incentivo.

Admiro a paixão de vossa irmã por Abu Zhakaria. Quem me dera que uma mulher me amasse assim! – exclamou com um ar exageradamente romântico e ligeiramente postiço.

A princesa moura soltou um divertido risinho e ripostou:

 - Continua o mesmo finório! Julgais que caio na vossa teia?

Fingindo-se ofendido, Gonçalo recuou um passo e indignou-se:

 - Que dizeis, sois a única por quem estou enamorado! Todas as sonho em levar-vos para Córdova!

Zaida sorriu de novo, mas lavrou um pequeno protesto:

 - Se fosse verdade não vos amigáveis com outras...

Notando naquele queixume a revelação de um ciúme deveras entusiasmante, Gonçalo, aproximou-se e falou ao ouvido da moça.

Sou um tolo, bem sei, mas apenas porque me afastais. Se vos désseis esquecia todas as outras mulheres do mundo porque em nenhuma penso como penso em vós.

Zaida baixou um pouco a cabeça e a testa tocou no queixo daquele hábil galanteador. Tristonha, fez beicinho e murmurou:

 - É bom ver-vos, sinto-me muito sozinha.

Filha, quereis dar-vos a ele?

Devido à morte de Zulmira, aquela que era uma das netas do último califa de Córdova, confessou que a sua existência presente era pesada e sombria.

A irmã Fátima ainda aspirava à glória que dizia merecer, sonhando com o regresso ao trono da antiga capital do califado muçulmano da Andaluzia, mas Zaida já não alimentava essa fantasiosa crença.

Em voz baixa, recordou que quase todos que amado tinham morrido. A solidão em Coimbra tornara-se um duro hábito e ver Gonçalo ali era motivo de grande felicidade.

Sempre simpatizara com ele, e sedenta de companhia e atenção, convidou-o a entrar em sua casa alegando que era exímia cozinheira e lhe serviria um belo repasto.

Parado, fingindo receio e desconfiança, Gonçalo perguntou:

 - A Fátima não me cortará a cabeça?

Zaida deu uma gargalhada, aquele rapaz diverti-a. Enquanto abria a porta e ambos entravam, explicou.

Continua a mesma fera, mas não tem nenhuma arma.

Mao o disse, ouviu-se uma voz incomodada na sala. No escuro, alguém afirmou o seu desprezo por ver ali Gonçalo:

 - Tirai-me esse cristão da frente!

Zaida ignorou a ordem da irmã e explicou que o convidara para almoçar escabeche de sardinhas, dando-lhe também a provar o arroz-doce que a mãe Zulmira a ensinara a cozinhar.

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