terça-feira, maio 31, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)



Episódio Nº 20





















Se os Trava queriam guerrear Afonso Henriques e este não se entendia com Chamoa, que podia ele fazer?

Passava horas com o filho mais crescido de Paio Soares, a quem fora dado o nome de Pêro Pais. Com quase cinco anos era um menino esperto e de olho vivo, com um cabelo pejado de caracóis, como o falecido pai, e um espírito deveras inquisidor.

Foi esse insaciável desejo de saber que o levou, ao escutar uma conversa entre os Trava durante a tarde do Natal, a perguntar ao avô:

 - O que é uma relíquia sagrada?

Gomes Nunes sempre pronto a esclarecer o neto, dessa vez ficou atrapalhado e sugeriu que ele fosse ter com a mãe, pois aqueles não eram assuntos de criança.

Arguto, o menino rumou ao quarto de Chamoa e repetiu à mãe a pergunta. Alertada a minha cunhada deduziu que Fernão Peres continuava a conspirar contra Afonso Henriques e que ia lançar-se para sul à procura do religioso artefacto.

Ao escutá-lo, Pêro Pais exclamou, revoltado:

- Fernão Peres não pode roubar o nosso príncipe!

Apesar de tenra idade, Pêro Pais sabia que o pai,, Paio Soares estivera do lado errado da guerra, em São Mamede. Fora Afonso Henriques que o atacara brutalmente, deixando-o tão combalido que a morte fora uma inevitabilidade.

Porém, nem isso beliscava a forte admiração do rapaz pelo príncipe de Portugal.

É como eu, ama o Afonso.

Emocionada, a mãe abraçou-o com força e disse:

 - Vosso pai admirava muito Afonso Henriques, mas jurou lealdade a Dona Teresa. Não foi capaz de a trair, por isso morreu...

O filho, mais interessado no presente do que no passado, perguntou-lhe de pronto:

- Que ides fazer?

Chamoa limitou-se a pedir ao menino que se mantivesse atento, escutando as conversas dos outros Trava, mas no seu espírito germinava já um plano assaz requintado.

Depois de comida a ceia do Natal pela família, aproximou-se discretamente de Mem Tougues e disse-lhe em voz ternurenta:

 - Gostava de ter a vossa companhia esta noite.

O primo era aquele tipo de homem que acreditava piamente no que ouvia. Magro como um espeto, de cara pálida e barba rala, vivia numa permanente agitação calada, como se a revelação pública dos seus pensamentos o torturasse, com medo das consequências.

Talvez para compensar tanta hesitação verbal, era exageradamente vaidoso e vestia-se aprumado, com meias longas e saiotes curtos, esperando certamente que a vistosa roupa ofuscasse a sua fraca personalidade.


Os olhos quase lhe saltaram das órbitas, pois não esperava tanta folga da prima. Embora fosse apaixonado por Chamoa há anos, tinha-a possuído uma única vez, no ano anterior, num campo próximo do mosteiro de Vairão. Fora o suficiente para lhe gerar um filho, mas nunca mais ela o aceitara!

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