sábado, maio 14, 2016

Assim Nasceu Portugal
 


A Profecia da Normanda








Episódio Nº 7

















Mirou Afonso Henriques e no seu olhar não havia nenhuma recriminação ou indício de atribuição de culpa, pois não considerava o príncipe responsável pelo suicídio de Raimunda.

Com um sorriso compreensivo, interrogou-se:

- Quem somos nós para entender o mistério da vida e da morte?

- Porque se matou Raimunda? Porque não foi bem amada por mim, seu pai? Talvez... nunca soube como falar com ela.

Meu tio sempre tratara a filha com alguma distância, mas isso era habitual com os bastardos e as bastardas. Agora que ela já não estava entre nós, admitia a possibilidade de lhe ter faltado com algo, carregando a tormenta póstuma de um progenitor alheado.

- Não me lembro de a ter abraçado uma única vez – depois, olhando de novo para o príncipe, murmurou: - Como vedes não sois o único a sofrer com as mulheres.

De repente, Afonso Henriques ergueu a sobrancelha, pois nascera nele um laivo de curiosidade.

Como morreu a mãe dela?

Meu tio Ermígio torceu o rosto num esgar como se lhe causasse dor ter de revisitar tempos antigos. Mas respondeu:

 - Ao dar à luz.

Tanta parcimónia descritiva não satisfez Afonso Henriques, que quis saber quem era ela e onde meu tio a conhecera. O príncipe parecia pela primeira vez interessado numa história exterior a si mesmo e Ermígio Moniz lá acabou por narrar o nascimento de minha prima.

Partido de Lamego, meu tio rumara a Compostela, visitara Leão, Sahagún e Toledo. Depois descera a terras muçulmanas, a Oreja, Jean, Sevilha, Córdova e Mérida, e por lá conhecera uma rapariga tímida, mas muito carinhosa, a quem se afeiçoara.

Dominado pelos imperativos masculinos, curou com ela uma parcela do seu anterior desgosto e, embalado por aquele doce interregno de ternuras, não pensara em partir até ao dia ao dia em que fora surpreendido pelo inesperado desaparecimento da moça.

Permanecera semanas no local, sempre à espera de que a jovem reaparecesse, mas, como isso não aconteceu foi forçado a seguir a sua viagem.

Conhecida a Andaluzia árabe, subira a Saragoça e a Barcelona onde apanhara um barco até Roma.

Mais de um ano depois, quando se sentiu em paz e aceitou finalmente o seu destino inglório de viúvo, decidiu regressar e, como sempre acontece com os homens tristes que se apegam a uma mulher, voltou à cidade onde se sentira bem.

Contudo, o destino presenteou-o com novo desgosto, quando encontrou na casa onde estivera apenas uma velha criada com uma criança nos braços, órfã da mãe que a gerara.

 - Foi um segundo e cruel sofrimento.

Como a idosa ameaçasse entregar a menina, meu tio tomou posse da bastarda e regressou ao condado Portucalense.

 - Tentei tudo para que Raimunda fosse feliz, a viver convosco, seus primos – disse Ermígio Moniz, olhando para mim.

Ainda curioso, o príncipe perguntou:

 - Como se chamava a mãe dela?


A falecida respondia pelo nome de Aqsa e logo Afonso Henriques quis saber se era moura, o que meu tio confirmou. Antes do desaparecimento, haviam combinado que ela se converteria ao cristianismo, se ficassem juntos, coisa que nunca veio a acontecer. 

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