terça-feira, maio 24, 2016

Assim Nasceu Portugal
A Vitória do Imperador
 (Domingos Amaral)





Episódio Nº 15
















Não conheceis as divisões que grassam em Roma? – trovejou.

O bispo Bernardo era um homem pequeno, magro e seco de carnes mas cheio de genica e duro nas suas proclamações, não sendo muito estimado pela população que o considerava por vezes injusto e demasiado ríspido, com uma moral exigente que muitos diziam não aplicar à sua conduta privada.

Mas a sua pergunta era pertinente: o papada estava dividido por um cisma e havia quem tomasse já partido por Anacleto contra Inocêncio II, sendo uma das principais razões invocadas o excessivo apoio que este último dava aos monges apostólicos.

Toledo e Compostela estão a alinhar contra Inocêncio II! Um mosteiro “apostólico” em Coimbra vai erguer contra nós a ira dos leoneses! Afonso VII, vosso primo, apoia Anacleto.

Quereis que o Anti-Papa obrigue Coimbra a uma nefasta submissão a Toledo?

Francês e antigo cónego da Sé, Bernardo fora nomeado bispo de Coimbra com um propósito: resistir aos desejos permanentes de hegemonia de Compostela e de Toledo.

Ora, estando Anacleto em vias de vencer o cisma católico, o mosteiro apostólico apoiado por Afonso Henriques seria uma imprudência infantil!

- Inocêncio II não vai perder o Papado – contrapôs meu tio Ermígio.

Fosse como fosse, alegou o inflamado bispo, melhor seria que esperassem pela resolução do cisma! Se Inocêncio acabasse por vencer a luta contra o Antipapa Anacleto, o mosteiro poderia então ser erguido, pois já não representaria um perigo para Coimbra.

Não voltarei com a minha palavra atrás – afirmou o príncipe.

A doação estava feita, o documento assinado, diziam-lhe pouco as subtilezas da crise em Roma. Se Anacleto vencesse e Toledo nos quisesse prejudicar, cá estaríamos para lutar pelas nossas justas pretensões.

Confrontado com esta firmeza, o bispo Bernardo lançou umas palavras finais reveladoras do seu mau perder:

 - Uma guerra com Toledo e com Roma, só para teres uma sela? Que tremenda tolice, sois um rapazola!

O meu melhor amigo virou costas ao bispo sem lhe ripostar, o que levou meu tio Ermígio, já nos degraus exteriores da Sé, a gabar-lhe a serenidade.

Aproximando-se da sua montada, Afonso Henriques limitou-se a olhar para a bonita sela e a exclamar:

 - Agora só me falta um cavalo  decente!

Era uma das suas queixas recorrentes, estava sempre insatisfeito com os animais que cavalgava, que pareciam não ser capazes de o carregar.

O meu melhor amigo era um gigante e quando embainhava a espada de seu pai, que só ele conseguia erguer, juntando ao escudo com que se armara cavaleiro em Zamora, o peso em conjunto era quase insuportável para os cavalos.

Tendes razão, esta pileca não vos serve – afirmou Gonçalo.

Entretidos com o novo tema, esquecemos prontamente a polémica com o bispo Bernardo e as implicações do longínquo cisma de Roma.

Foi um erro grave, que no futuro nos iria sair bastante caro.

Os inimigos do ainda nascente reino de Portugal eram muito mais numerosos e poderosos do que pensávamos naqueles dias.

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