(Domingos Amaral)
Episódio Nº 37
Irritada, praguejou em voz alta, enquanto nas suas costas Fátima lhe perguntava o motivo de tanto alarido. Então, Zaida pediu à irmã que se sentasse na cama e contou-lhe tudo.
O roubo do punhal no dia da
morte da mãe; a inscrição em latim no cabo; a descoberta no mapa, na Sé; a
proposta de Ermígio Moniz.
Quando referiu Abu Zhakaria
e a matança dos galegos, Fátima exclamou:
- Grande Abu!
Há muitos anos que a mais
velha das princesas mouras adorava o destemido cordovês e todas as noites
sonhava cair nos seus braços. E ele não desistia, em Santarém já se cantavam
trovas sobre o persistente e apaixonado muçulmano, que azucrinava os cristãos
na esperança na esperança de um dia resgatar Fátima.
Não me esqueceu... –
murmurou ela embevecida.
Zaida não se distraiu com
aquele romantismo tolo e perguntou:
- Não haveis visto alguém a
rondar-nos a casa?
A irmã fez um esforço para
se recordar que se revelou infrutífero.
Alguém sabia do punhal –
concluiu Zaida.
No entanto, de pouco lhe
valeu essa primeira dedução, bastante óbvia bem como a seguinte, menos
evidente:
- O Ramiro não pode ter
sido, esteve na Sé a manhã toda.
De repente, uma dúvida
assaltou-a:
- Terá sido o Velho? Choquei com ele hoje.
Levantando-se, Fátima
lançou-lhe um olhar crítico e disse:
- Talvez tenha sido o cristão que cá veio.
Referia-se a Gonçalo de
Sousa que a irmã ali recebera, mas Zaida afastou tal possibilidade, pois já
passara mais de um ano sobre essas visitas e ainda hoje tivera o punhal nas
mãos.
Pouco interessa quem veio aqui – afirmou Fátima – Se já sabes onde fica
Sellium, não necessitamos do punhal!
Era verdade, mas a cortante
sensação da vulnerabilidade da casa, a irritação pela perda da arma tão bem
guardada e a suspeita sobre o autor daquela intromissão estavam a moer Zaida.
Foi Fátima, mais desprendida
dessas emoções inúteis, que a puxou à terra.
- Temos de avisar o meu Abu.
A proposta de Ermígio Moniz
começava também a seduzi-la, sobretudo pela reviravolta no destino que
possibilitava, permitindo-lhe sonhar outra vez.
A Andaluzia continuava a
sofrer com o jugo de Ali Yusuf, o califa almorávida de Marraquexe era cada vez
menos respeitado pelos muçulmanos andaluzes e já se ouvia falar de pequenas
rebeliões em Sevilha, em Badajoz e em Mérida.
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