(continuação)
Será a religião
irracional um subproduto dos mecanismos de irracionalidade que, por via da
selecção, foram originariamente incorporados no cérebro com vista ao
enamoramento?
É verdade que a fé
religiosa tem aspectos em comum com o enamoramento (e ambos têm muitas das
características da euforia induzida por uma droga viciante). O neuropsiqui atra John Smythies adverte para o facto de haver
diferenças significativas entre as áreas do cérebro activadas pelos dois tipos
de mania. Contudo, observa também algumas semelhanças:
- Uma faceta
das muitas faces da religião é o amor intenso centrado numa pessoa
sobrenatural, isto é, em Deus, acompanhado da veneração de ícones dessa pessoa.
A vida humana é, em grande parte, impelida pelos nossos genes egoístas e por
processos de reforço.
É grande o reforço de
tipo positivo originado pela religião: sentimentos reconfortantes e calorosos
por sermos amados e protegidos num mundo perigoso, perda do medo da morte,
auxílio vindo não se sabe de onde em resposta a preces em tempos difíceis, etc.
De igual modo, o amor
romântico por outra pessoa real (geralmente do sexo oposto) apresenta a mesma
concentração intensa no outro e reforços positivos. Estes sentimentos podem ser
desencadeados por ícones do outro, tal como cartas, fotografias e mesmo
madeixas de cabelo, como se usava na época vitoriana.
O estado de
enamoramento faz-se acompanhar de inúmeras manifestações fisiológicas, como por
exemplo, suspirar longa e repetidamente.
Fiz a comparação
entre enamoramento e religião em 1993, escrevendo na altura que os sintomas de
um indivíduo infectado pela religião «podem ser surpreendentemente
reminiscentes daqueles que habitualmente associamos ao amor sexual.
Trata-se de uma força
extremamente potente que há no cérebro e não admira que alguns vírus tenham
evoluído no sentido de a explorar (vírus, neste contexto é uma metáfora para
religiões.)
O filósofo Anthony Kenny
(ordenado padre, regressa depois à sua condição laica por se ter tornado
agnóstico) dá um testemunho comovente do grande deleite daqueles que conseguem
acreditar no mistério da transubstanciação (acreditar na presença real de
Cristo na eucaristia).
Depois de descrever a
sua ordenação como padre católico habilitado a celebrar missa pela imposição
das mãos, recorda vividamente a exaltação dos primeiros meses em que deteve o
poder de rezar missa. Ele próprio diz:
- "Normalmente era lento e preguiçoso a levantar-me pela
manhã, agora saltava cedo da cama, bem desperto e muito entusiasmado só de
pensar no momentoso acto que tinha o privilégio de desempenhar…
O tocar o corpo de
Cristo, a proximidade entre o padre e Jesus, era o que mais me enlevava. Olhava
fixamente para a hóstia depois das palavras da consagração, de olhar lânguido
como um amante que mira os olhos da sua amada."
O equi valente da reacção das traças à bússola luminosa
é o hábito aparentemente irracional, e no entanto útil, de nos apaixonarmos por
um, e só um, membro do sexo oposto.
O subproduto falhado
– o equi valente a voarmos na
direcção da chama – é apaixonarmo-nos por Javé (ou pela Virgem Maria, ou por
uma rodela de batata, ou por Alá) e levar a cabo actos irracionais motivados
por esse amor.
(continua)
Richard Dawkins
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home