minhas Irmãs
Conta-se a história daquele homem que já muito velhinho, sentindo-se doente, saiu ao seu
Elas, em troca,
deram-lhe a sombra à qual se recolhia no fim das tardes solarengas de verão e
os frutos: figos pretos de tamanho médio, doces e saborosos, laranjas grandes e
sumarentas e azeitonas pretas que ele retalhava, demolhava para perderem o
sabor azedo e depois temperava com sal e orégãos. Com nacos de pão de trigo
caseiro eram o melhor acompanhamento.
Naqueles momentos em que percebera que a vida o ia abandonar
não conseguiu evitar vê-las mais uma vez, tocar-lhes com afecto, no fundo…
despedir-se delas.
Outras, pelo seu tamanho, deveriam ser consideradas
monumentos da Natureza:
Da minha meninice trago comigo um sobreiro, um pinheiro manso
e uma tangerineira. Guardei-as na minha memória com todo o carinho. O sobreiro
era uma árvore centenária, enorme, cheia de “personalidade”, respeitável, como
são todos os sobreiros velhos.
Vivia no meio de um caminho que dava acesso a uma propriedade
que o meu pai tinha de renda. Não empatava o trajecto do velho Vauxal comprado pelo meu
pai, logo a seguir à guerra, era eu ainda menino, porque ele aprendera a desviar-se
e já lá tinha o trilho marcado para que não houvessem dúvidas no trajecto.
Um dia, o dinheiro falou mais alto e o meu pai mandou matá-lo. Eu, garoto, infelizmente assisti. Vieram uns homens com uns machados e começaram a cortar-lhe as raízes que estavam fora da terra, para o enfraquecer. Depois ataram-lhe cabos de aço aos ramos mais altos e grossos e com alavancas e roldanas fixadas no chão puxaram, puxaram até que as raízes, escondidas debaixo da terra, rebentaram e ainda hoje sinto vontade de tapar as orelhas para não ouvir os roncos surdos que saíam das entranhas da terra, como se fossem gritos de protesto e de dor.
Uns anos mais tarde,
foi a vez do pinheiro manso. Era muito alto, completamente direito e teria já,
com certeza, muita idade. Estava sozinho naquela encosta, numas terras que eram
da minha avó, junto à aldeia, ao lado da estrada. No tempo das pinhas íamos apanhá-las debaixo dela e à noite abríamo-las
ao calor do fogo da lareira e era uma “festa” com as cascas dos pinhões a
saltarem para todo lado ao sabor das marteladas e a minha avó a ralhar porque
tinha de ser ela a varrer o que eu e o meu irmão sujávamos. Nunca mais voltei a
comer pinhões tão saborosos...
Também, um dia, o meu
pai o matou. A sua madeira, muito boa, depois de aparelhada, para a construção
de casas, deve ter rendido bom dinheiro e durante toda a minha vida, sempre que
passava na estrada evitava olhar para o local onde ela já não estava para não
ter o desgosto de a não ver.
A terceira árvore era
uma delicada tangerineira no qui ntal da minha avó. Havia lá mais mas aquela era
muito pequenina, airosa e redondinha e nenhuma das outras dava tangerinas tão
doces e saborosas. Ainda miúdo, de calções, sentava-me no poial, junto dela, e
saboreava deliciado as tangerinas com a sensação que elas as tinha criado só
para mim.
Mas o homem, tem-se
permitido destruir sem dó nem piedade esta herança fabulosa de vida,
sacrificando no altar de interesses mesqui nhos
de pessoas muito ricas que podem pagar tudo, seja a que preço for, florestas
cheias de vida animal de uma maneira perfeitamente criminosa.
No fundo, prevalece o
egoísmo da geração presente numa postura que se traduz no tal: - “quem vier atrás que feche a porta…”
Nem sempre terá sido
assim.
O homem do
paleolítico vivia em comunhão com a natureza numa época em que predominavam as
florestas. No silêncio da noite, nos seus locais de dormida, ele ouvia os
sons do vento perpassarem por entre as folhas dos ramos mais altos e sensíveis
das árvores que o rodeavam.
Esses sons pareciam uma conversa em privado, umas vezes
ligeiramente mais acalorada, outras, em frases mais longas e monocórdicas
interrompidas por silêncios intermitentes.
Assim, discretamente, levantava-se, dirigia-se
a uma das árvores mais altas, tocava-lhe com respeito e contava-lhe em segredo
as suas angústias e receios e pedia-lhe que solicitasse aos deuses a protecção
para si, para a sua família e para o seu grupo.
Passaram-se milénios e quase tudo aconteceu de então para cá.
Fomos compreendendo melhor as forças da natureza,
domesticámos plantas e animais, construímos cidades e civilizações.
Progressivamente, começamos a desenlear o fio do conhecimento
e, no entanto, apesar de um tão longo caminho percorrido desde então, eu próprio,
que nem sequer sou crendices, dou por mim a bater com os nós dos dedos da mão
fechada na madeira do tampo da mesa – à falta de uma árvore - para afastar os
mais presságios…
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