(Domingos Amaral)
Episódio Nº 90
Os três saíram de Soure e
chegaram à estrada principal, que ligava Santarém a Coimbra, rumando ao Norte. O
almocreve temia a curiosidade de Ramiro, as perguntas sobre Sohba.
Não queria mentir, não
gostava de o fazer e, portanto, deixou-se ficar calado e assim prosseguiram
cada um com os seus pensamentos privados até chegarem ao Mondego.
Enquanto esperavam por um
barqueiro, já a tarde caía, Mem partilhou com os monges guerreiros um pedaço de
pão, carne e fruta, mas só depois de comer o Rato produziu uma inesperada
apreciação:
- Deveis ter muitas mulheres... sois tão
bonito.
Fez uma careta insinuante e
Mem percebeu onde ele queria chegar. Como nunca tivera curiosidade nem receio
dessas coisas não se incomodou e apenas disse:
- As mulheres precisam de atenção,
À sua frente, Ramiro
enervou-se e comentou:
- Precisam é de pedir perdão por serem tão
mentirosas!
O acinte do bastardo de Paio
Soares continuava uma ferida aberta. Mem conhecia a velha afeição do jovem
templário por Chamoa, o seu sofrimento por ela ter casado com o pai dele, mas o
que mais o espantava era que, passados todos aqueles anos, Ramiro ainda
destilasse tanta raiva às mulheres, quando só uma o desgostara.
- Gostais muito de mulheres,
perguntou o Rato.
Mem recitou uma frase bíblica
que o pai costumava usar.
- Não se procuram figos nos pinheiros.
Insistente, o Rato lançou
nova questão:
- Nunca nenhuma vos mentiu?
Como o almocreve não lhe deu
troco, o monge guerreiro riu-se. Convicto de que tinha tocado num ponto fraco,
avançou uma constatação ousada e intrometida:
- Se mentem aos maridos para
estarem convosco, é provável que vos mintam também!
A fama de Mem era conhecida,
corriam rumores de que se deleitava com senhoras casadas de Coimbra, chifrando
os respectivos esposos. Também se dizia que tomava criaditas do castelo, além
de muitos suspeitarem de que o fizera igualmente com Zulmira e Zaida.
Só que o almocreve nunca se
gabava e por isso o Rato repetiu o elogio inicial com que o brindara:
- As mulheres pelam-se por homens bonitos como
vós.
Mem observou o rio para ver
se o barqueiro estava mais próximo mas viu-o ainda distante. Teria de aturá-los
mais algum tempo e, por isso, decidiu mudar de atitude e mirou o Rato nos
olhos.
- Gostais de homens bonitos?
O Rato soltou um risinho
nervoso e Mem percebeu que ele estava disposto a tudo. Era um monge guerreiro
com voto de castidade mas não se conseguia conter com homens, só perante
mulheres.
Quem não se havia espuma na pia.
Agora que chegava a Coimbra,
onde poderia gozar uns dias de liberdade, a excitação já o consumia.
- Um homem bonito é uma dádiva
de Deus! Sentimo-nos vivos só de olhar!
Mem notou que Ramiro cruzava
e descruzava as pernas, agitado. Estava obviamente enciumado com os galanteios
do Rato, embora tenha usado um argumento religioso para o criticar.
- É pecado falar assim, ó
miserável! – avisou.
O Rato enfrentou o amigo,
ofendido e magoado.
- Escusais de me apoucar, só vos quero bem!
Depois, como quem remói
algum agravo anterior, acrescentou:
- De há uns meses para cá tratais-me com os pés.
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