quinta-feira, setembro 22, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 90





















Os três saíram de Soure e chegaram à estrada principal, que ligava Santarém a Coimbra, rumando ao Norte. O almocreve temia a curiosidade de Ramiro, as perguntas sobre Sohba.

Não queria mentir, não gostava de o fazer e, portanto, deixou-se ficar calado e assim prosseguiram cada um com os seus pensamentos privados até chegarem ao Mondego.

Enquanto esperavam por um barqueiro, já a tarde caía, Mem partilhou com os monges guerreiros um pedaço de pão, carne e fruta, mas só depois de comer o Rato produziu uma inesperada apreciação:

 - Deveis ter muitas mulheres... sois tão bonito.

Fez uma careta insinuante e Mem percebeu onde ele queria chegar. Como nunca tivera curiosidade nem receio dessas coisas não se incomodou e apenas disse:

 - As mulheres precisam de atenção,

À sua frente, Ramiro enervou-se e comentou:

 - Precisam é de pedir perdão por serem tão mentirosas!

O acinte do bastardo de Paio Soares continuava uma ferida aberta. Mem conhecia a velha afeição do jovem templário por Chamoa, o seu sofrimento por ela ter casado com o pai dele, mas o que mais o espantava era que, passados todos aqueles anos, Ramiro ainda destilasse tanta raiva às mulheres, quando só uma o desgostara.

- Gostais muito de mulheres, perguntou o Rato.

Mem recitou uma frase bíblica que o pai costumava usar.

 - Não se procuram figos nos pinheiros.

Insistente, o Rato lançou nova questão:

 - Nunca nenhuma vos mentiu?

Como o almocreve não lhe deu troco, o monge guerreiro riu-se. Convicto de que tinha tocado num ponto fraco, avançou uma constatação ousada e intrometida:

- Se mentem aos maridos para estarem convosco, é provável que vos mintam também!

A fama de Mem era conhecida, corriam rumores de que se deleitava com senhoras casadas de Coimbra, chifrando os respectivos esposos. Também se dizia que tomava criaditas do castelo, além de muitos suspeitarem de que o fizera igualmente com Zulmira e Zaida.

Só que o almocreve nunca se gabava e por isso o Rato repetiu o elogio inicial com que o brindara:

 - As mulheres pelam-se por homens bonitos como vós.

Mem observou o rio para ver se o barqueiro estava mais próximo mas viu-o ainda distante. Teria de aturá-los mais algum tempo e, por isso, decidiu mudar de atitude e mirou o Rato nos olhos.

 - Gostais de homens bonitos?

O Rato soltou um risinho nervoso e Mem percebeu que ele estava disposto a tudo. Era um monge guerreiro com voto de castidade mas não se conseguia conter com homens, só perante mulheres.

Quem não se havia espuma na pia.

Agora que chegava a Coimbra, onde poderia gozar uns dias de liberdade, a excitação já o consumia.

- Um homem bonito é uma dádiva de Deus! Sentimo-nos vivos só de olhar!

Mem notou que Ramiro cruzava e descruzava as pernas, agitado. Estava obviamente enciumado com os galanteios do Rato, embora tenha usado um argumento religioso para o criticar.

- É pecado falar assim, ó miserável! – avisou.

O Rato enfrentou o amigo, ofendido e magoado.

 - Escusais de me apoucar, só vos quero bem!

Depois, como quem remói algum agravo anterior, acrescentou:

 - De há uns meses para cá tratais-me com os pés.

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