sexta-feira, setembro 30, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 96




















- Sois o culpado da morte de Zulmira! Quem vos mandou trazê-la para aqui? E Sohba só fugiu porque a haveis salvo da fogueira! – perante a completa perplexidade dos outros, prosseguiu: - Trabalhais para Zahkaria ou sois um lacaio do califa Ali Yusuf?

O espantado Mem, que deixara o arco e as flechas no casão, viu Ramiro desembainhar a sua espada e apontá-la à sua barriga.

- Devia furar-vos, mouro estúpido! E agora quereis o Rato?
Vamos lá ver se continuais bonito depois de vos rasgar esse focinho!

Enquanto o incrédulo almocreve dava um passo atrás, o aflito Rato meteu-se entre eles, tentando acalmar o colega templário.

- Ramiro, sois um monge guerreiro, não podeis matá-lo!

Mas o companheiro, possuído por uma cólera enciumada, acusou-o:

 - Estais mortinho por o chupar, cabrão de merda! Não pensais noutra coisa! Sois todos uns traidores como o Velho e a estúpida galega!

Assustado com tamanha ira o Rato gritou-lhe que deixasse Mem ir embora, caso contrário acabaria pendurado numa forca, lançando a vergonha sobre a Ordem do Templo.
Contudo, como Ramiro não pareceu temer tais consequências, o Rato baixou o tom de voz baixo, reconhecendo que não desejava o almocreve, que não era como eles!

- Nunca vos traí, só gosto de vós!

Aquelas promessas íntimas acalmaram ligeiramente Ramiro, que baixou os olhos, recuperando por momentos a noção do disparate que se preparava para cometer.

O Rato aproveitou a acalmia para sugerir a Mem que se fosse dali, e o almocreve partiu, escutando nas suas costas um último insulto de Ramiro:

 - Ide ter com a vossa soldadeira mouro de merda!

Só quando viu o almocreve virar a esquina é que o Rato perguntou:

 - Que vos deu?

Alarmado, notou o olhar de Ramiro de novo esgaseado. O corpo do colega agitava-se numa espécie de turbulência animalesca e ouviu-o gritar-lhe, como se o quisesse castigar ali mesmo, em plena ruela.

- Quereis um homem a sério? Eu mostro-vos um!

Sem aviso, empurrou o Rato, obrigando-o a avançar, mas estas ferozes insinuações de violência mas também de desejos carnais, produziram um efeito estranhamente tranquilizador.

O Rato ansiava pelas ternuras do amigo e se tivesse de haver dureza na sua administração, que fosse, até gostava. Assim, deixou-se ser conduzido à bruta para dentro do casão de Mem.

No final da luta amorosa, os dois deixaram-se ficar nus e deitados na palha, no mesmo local onde anos antes tinham encontrado Zulmira degolada.

Ramiro parecia mais calmo, mas os seus pensamentos depressa vaguearam e interrogou-se em voz alta:

 - Como é que o Velho roubou daqui o punhal?

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