(Domingos Amaral)
Episódio Nº 94
O bastardo de Paio Soares
manteve-se mudo e siderado. Recordei-me das suas aflições do passado, na
presença do pai ou de Chamoa e admiti que as antigas fragilidades estavam de
volta, pois a sua palidez indiciava a possibilidade de tombar à nossa frente.
O príncipe deve ter temido o
mesmo pois questionou Ramiro, com uma ponta de malícia na voz:
- Ides desmaiar?
Ouviram-se os risos de Peres
Cativo, que desprezava o jovem templário. Mas o simpático Pêro Pais
estendeu-lhe a mão, dizendo:
- Minha mãe falou-me de vós.
Numa criança tão nova era
impossível haver naquela frase ironia ou maldade. Pêro Pais relatava apenas uma
verdade límpida e simples: Chamoa falara-lhe de Ramiro, seu meio - irmão mais
velho, filho de Paio Soares e de uma outra mulher, um bastardo, é certo, mas do
mesmo sangue que ele.
Porém, no desconfiado
Ramiro, a frase do meio-irmão teve o condão de lhe agravar uma dor silenciosa,
como ele revelou depois ao bispo Bernardo.
- Que dissera Chamoa ao
miúdo? – Que eles tinham sido amigos? – Que Paio Soares, pai de ambos,
humilhava Ramiro em criança? – Que se casara com Chamoa, adorada pelo seu
bastardo? – Que este fugira da Viseu depois de admitir matar-se? – Que
desmaiava sempre que a via? – Que também odiava Afonso Henriques por este lhe
ter disputado Chamoa? – Sim, o que lhe dissera aquela mulher desvairada que
dormia com vários homens? – Gozara Ramiro, escarnecendo dele em frente do
irmão, o primogénito que ia herdar tudo, enquanto ele, um infanção bastardo,
nada teria?
Pai, porque me enviais este teu filho e meu irmão?
Era assim, tortuosa, que
funcionava a mente de Ramiro, mas da sua boca não saíra ainda uma única
palavra.
- Não o cumprimentais? –
perguntou Afonso Henriques.
O templário engoliu em seco
e balbuciou:
- Vossa mãe está bem?
Pêro Pais, primeiro
sorriu-lhe, agradado com o que julgava ser uma preocupação genuína. Depois,
colocou um ar sério e contou que Chamoa se encontrava prisioneira em Tui, no
castelo do pai dela.
- Fernão Peres pôs um
facínora a vigiá-la dia e noite.
Paio Guterres, que ajudara o
menino a fugir, revelou que o vigilante da minha cunhada era um antigo
templário de Soure.
Com uma ténue hostilidade,
enfrentou Ramiro e o Rato e afirmou:
- Deveis conhecê-lo. Chamam-lhe Celho.
Se Ramiro estava
embasbacado, mais ficou. Incrédulo, negou que tal pudesse ser verdade,
secundado pelo Rato, alegando ambos que o Velho, por estar doente se retirara
da Ordem para morrer em paz!
O transtorno dos dois
templários foi enorme, quando perceberam que haviam sido enganados. O Velho,
não só era um traidor que sempre trabalhara para o Trava, como lhe entregara o
antigo punhal de Paio Soares! O espanto de Ramiro e do Rato multiplicou-se, a
profundidade da fraude daquele magistral embusteiro era dolorosa para os seus
antigos colegas.
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