Miguel Sousa Tavares |
Onde está o meu ouro de
Minas? (2011)
Onde está o meu ouro de Minas?
A relação entre brasileiros e portugueses tem uma história por vezes mal contada e com equívocos à mistura.
Miguel Sousa Tavares, jornalista, licenciado
em Direito, advogado, comentador político na televisão e na imprensa, é uma voz
independente e desassombrada, como foi a de seu pai, Francisco Sousa Tavares,
também ele advogado e de Sophia de Mello Bryner, escritora e uma das maiores
poetisas da língua portuguesa. Este texto é esclarecedor, a história e os factos são o que são e o
Miguel Sousa Tavares fala deles sem qualquer espécie de complexos
ONDE ESTÁ O MEU OURO DE MINAS?
(Graças ao D. João V, sobretudo, ainda hoje nos tomam por ladrões
no Brasil.)
Estamos a assistir ao regresso cada vez mais acentuado dos
imigrantes brasileiros ao Brasil. Eles trouxeram a esta terra de gente
macambúzia e eternamente insatisfeita uma delicadeza e uma alegria que só nos
fizeram bem e que vão deixar saudades. E também acho que quando esta leva de
imigrantes do Brasil aqui começou a
chegar, fugindo de uma situação económica negra para vir encontrar um país
então no apogeu das esperança e das ilusões (o tal "oásis", que viria
a secar), foram recebidos com uma altivez e uma arrogância de novos-ricos que
só as andanças da história podiam, em parte, desculpar. De facto, as relações
Portugal-Brasil, nos últimos 150 anos, são um interminável jogo de ioiô, em
que, quando um está em baixo, o outro está em cima, e vice-versa, com ciclos de
emigração, económica ou política, cruzados ao sabor da situação interna de cada
um de nós.
Dir-se-ia então que o desdém e a fútil superioridade com que a
Injustiça paga com injustiça: nós
ficamos agora a dever aos brasileiros grande parte da construção das
auto-estradas, hospitais e Expôs, com que, imbecilmente, imaginávamos ter conqui stado para sempre a modernidade e o progresso; e
antes, eles ficaram a dever-nos os ciclos do café e da borracha da Amazónia,
que não teriam sido possíveis, por ausência de mão-de-obra, sem a
impressionante emigração portuguesa – que teve como contrapartida, a ruína do
interior de Portugal.
No imaginário do povo brasileiro, o
português ficou para sempre associado à figura do padeiro de esqui na de S. Paulo e do Rio (ainda hoje figura
obrigatória nas novelas da globo, com um actor português a desempenhar o papel)
E, quando a inflação subia aos níveis
estratosféricos a que às vezes sobe no Brasil, o padeiro português da esqui na era o alvo imediato da raiva popular: como
aceitar que os tipos que tinham desembarcado no Brasil descalços e vagabundos,
se tivessem tornado em menos de uma geração, exploradores do povo que os
acolhera?
Tivessem
eles consultado os livros de bordo desses navios que trouxeram essa leva de
portugueses (todos eles na flor da idade, dilacerados pela perspectiva de não
voltarem a ver a casa e a família, mas com uma vontade incrível de acrescentar
mais Brasil ao Brasil), tivessem sabido das condições desumanas em que viveram
e trabalharam nos cafezais do Vale do Paraíba e nos seringais da Amazónia, e
talvez tivessem outro olhar, mais justo, sobre essa espécie de irmãos mal - qui stos.
Hoje,
fizemos um longo caminho, cá e lá. Um caminho feito muito pouco pelos políticos
com as suas eternas juras de amor mútuo, mas sobretudo pelos intelectuais e
pelas classes cultas – através da música, do cinema, da literatura. Já há
alguns milhões de brasileiros que sabem que os portugueses não são todos
merceeiros, que os homens não têm todos um metro e meio e as mulheres não têm
todas bigode.
Pessoalmente, considero o Brasil a
minha segunda pátria. Não porque tenha sido, em parte, um país inventado pelos
portugueses ou porque lá se fale a minha língua mas porque acho o Brasil –
feito por portugueses, índios, africanos, brasileiros e também italianos ou
japoneses – um país único no mundo, absolutamente diferente de todos e
extraordinário.
Como português (ou como
luso-brasileiro que fui até 1822), irrita-me aqui lo
que considero uma tentativa de falsificação histórica de muitos historiadores
brasileiros: a ideia de que no Brasil, e durante 322 anos, tudo o que correu
mal, todas as vilanias, toda a exploração, todas as injustiças e mal governo,
foi obra dos portugueses; e tudo o que correu bem foi obra dos brasileiros.
Como se os brasileiros não tivessem sido também portugueses e os portugueses
não tivessem também sido brasileiros até 1822! )
Há excepções, claro (Joaqui m
Nabuco, por exemplo), mas o tom geral da narrativa é de tal ordem que apetece
perguntar como é que, até à independência (concedida por um soberano português,
se distinguiam os portugueses do Brasil dos brasileiros do Brasil?
Ora, todos sabemos que D. João VI era
um atrasado mental e que a Dª Carlota Joaqui na
era uma ninfomaníaca sevilhana permanentemente ocupada a conspirar contra o
próprio rei e marido. Mas isso não era uma especialidade portuguesa, mas um
dado corrente nas cortes europeias, minadas pela consanguinidade e pelas regras
arbitrárias próprias dos sistemas monarcas da época.
Todavia, e conforme demonstram
estudos recentes, D. João VI foi bem melhor soberano no Brasil do que foi em Portugal. Reformou
a cidade do Rio de alto a baixo, abriu os portos brasileiros ao comércio
internacional e instalou um verdadeiro Estado – que levou daqui por inteiro – onde antes apenas havia capitanias
e mandantes locais.
O seu grande erro foi ter regressado,
em vez de ter tido a visão de perceber que a capital do império deveria ser o
Brasil e não
Recentemente, numa
viagem ao coração do sertão brasileiro (Goiás e Tocantins), o mais novo Estado
da União, terra descoberta pelo célebre bandeirante português “Ahanguera” e
onde se continuou a corrida ao ouro, (depois de exauridas as levadas de Minas),
comprei um livro sobre a história da corrida ao ouro no Brasil, em finais do
Séc. XVIII e princípios do XIX.
E, no que nos diz respeito, a coisa resume-se
assim: o ouro foi descoberto a mando insistente da Corte de Lisboa (como se no
contexto histórico dos impérios, fosse estranho a capital querer descobrir e explorar
as riquezas da colónia), pelos heróicos bandeirantes, que eram, quase todos,
brasileiros de São Paulo.
Quem escravizou os índios e os negros trazidos
de África para as minas foram os portugueses, não os brasileiros; a Corte (isto
é Portugal) roubou sem pudor, o ouro do Brasil, exigindo o célebre “qui nto” – que o autor reconhece, todavia, que nunca
conseguiu cobrar, nem próximo – (um qui nto,
20%; tomáramos nós que hoje os Estados se contentassem em cobrar-nos 20% de
impostos sobre a riqueza produzida!); quem deixou que as minas se esgotassem
por falta de técnicas de exploração adequada, como viria depois a acontecer com
o café, no Vale de Paraíba, já o Brasil era independente há muito), foi a Corte
de Lisboa, a 10.000 Km
de distância, e não os donos das explorações, que, por acaso, eram brasileiros;
- E
quem, finalmente aproveitou o ouro do Brasil foi Portugal (que usou o que
recebeu para, já então, pagar a dívida externa) e não o Brasil que ficou com
90% dele, usando-o para tornar São Paulo a cidade mais rica da América do Sul e
dar berço ao próprio Estado de Minas Gerais (cuja tentativa de secessão, a
“Inconfidência Mineira” foi sufocada por Portugal, mas a benefício do Brasil –
até hoje.)
De facto, não havia necessidade.
Graças ao D. João V, sobretudo, ainda hoje nos tomam por ladrões no Brasil. E
onde está o meu ouro de Minas?
Miguel
Sousa Tavares 2011
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