(Domingos Amaral)
Episódio Nº 92
Há meses que o desejávamos e
a espera, talvez longa de mais, justificara-se pelo recuperar das tropas, pois
o fossado de Peres cativo fora longo e cansativo e não tínhamos homens suficientes
para travar guerras simultâneas em duas frentes.
Não era, no entanto, sobre a
iminente operação bélica que se falava naquele fim de tarde na sé, onde
estávamos reunidos quando Ramiro e o Rato por lá apareceram.
O tema imposto pelo bispo
Bernardo era a festa da inauguração da capela do mosteiro de Santa Cruz, às
portas de Coimbra. Embora parte do edifício ainda estivesse em obras, o prior
Teotónio não queria esperar pela sua conclusão e pretendia dizer uma missa
antes da partida do príncipe de Portugal.
A fúria do bispo Bernardo,
sempre exposta quando se falava de Santa Cruz, crescera mais uma vez e ele
voltava a recordar-nos o cisma que a Igreja de Roma vicia no presente, dividida
entre Inocêncio II, o Papa eleito, e Anacleto, o anti -Papa, apoiado por alguns
monarcas da cristandade, incluindo Afonso VII.
Um dos motivos da discórdia
era precisamente o impulso que Inocêncio II dava aos monges apostólicos a quem
os defensores de Anacleto se opunham.
O bispo Bernardo, depois da
derrota dos portucalenses em Celmes, acirrara a sua oposição “apostólico” às
portas de Coimbra, alegando que isso iria enfurecer ainda mais os leoneses e
castelhanos contra o Condado Portucalense.
Afonso VII, o mais poderoso
rei de Hispânia que já nos humilhara em Celmes podia usar o novo Mosteiro
“apostólico” de Coimbra para atiçar contra nós mais ódios e prejudicar-nos
junto de Anacleto.
Se o Antipapa vencesse o
cisma estaríamos perdidos, proclamara o palavroso bispo!
- A prudência é o rigor dos fracos – ripostou
João Peculiar.
O calvo e fino prelado, que
fora um ermita no passado, considerava um enorme sinal de fraqueza a suspensão
da construção do mosteiro, devido a uma hipotética vitória de Anacleto.
O cisma papal, contrapunha
Peculiar, estava votado ao fracasso. Poderia durar ainda uns anos, mas os
apoios de Inocêncio II eram muito mais vastos dos que os de Anacleto.
Além disso, sobretudo depois
da derrota de Celmes, os portucalenses não podiam amochar perante Afonso VII
mas sim persistir, com genica e ânimo, na luta pela independência.
Afonso Henriques sempre recusara
prestar vassalagem ao primo e devia invadir Tui em breve! A guerra seria aberta
e frontal!
Contudo, o bispo Bernardo
mantivera-se entrincheirado na sua crença e apresentara um argumento poderoso:
Afonso I de Aragão estava velho e doente. Afonso VII em breve lhe conqui staria os tronos de Aragão e Navarra. Como
poderia o Condado Portucalense resistir sozinho, em toda a Hispânia cristã
contra o rei de Leão, que ambicionava ser o futuro imperador da península?
Numa derradeira tentativa
para mudar a estratégia portucalense, o bispo propusera a Afonso Henriques
fazer a paz com seu primo direito, prestando-lhe vassalagem, enquanto dirigia
as nossas forças militares contra Abu Zahkaria, o novo governador de Santarém.
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