(Domingos Amaral)
Episódio Nº 91
Ramiro fulminou-o com o
olhar, como se lhe desse uma ordem silenciosa, mas imperativa, para evitar
aquele caminho e Mem teve a certeza de que aqueles dois eram amantes
desavindos.
Talvez Ramiro houvesse opt ado pela abstinência, cancelado as
clandestinidades com o Rato para não comprometer a sua reputação na Ordem do
Templo, concluiu Mem, vendo que o barqueiro atracava e levantando-se para se
dirigir à embarcação.
Puxou pela trela os seus
dois jumentos e a carroça, enquanto os templários traziam o cavalo.
A travessia do rio decorreu
em silêncio e foi só quando se meteram a caminho das portas de Coimbra
perguntou:
- Onde ides pernoitar? No
vosso casão?
Mem confirmou, mas reparou
na careta enervada de Ramiro, enquanto ouvia o rato murmurar:
- Se desejardes, posso
visitar-vos esta noite. Posso ensinar-vos truques secretos e prazenteiros, as
vossas mulheres iriam gostar!
Mem não desejava ser
incorrecto com ele, mas também não lhe queria dar esperanças. Preparava-se para
o desincentivar quando Ramiro gritou, gritou, voltando-se para trás em cima do
cavalo:
- Rato estúpido, acabai com isso!
Aquela podia apenas ter sido
uma desagradável ordem dada por um superior hierárqui co,
preocupado com a incontinência pecaminosa de um monge guerreiro, mas o
almocreve teve a certeza de que não era apenas isso que se tratava.
Homens enciumados, horários alterados...
Ramiro transtornara-se por
ver o Rato encher Mem com ofertas de ternuras e isso tinha um significado
óbvio. Aqueles dois dificilmente se manteriam castos em Coimbra...
Coimbra, Outubro de 1133
Notava-se na cidade de
Coimbra a agitação que precedia os grandes momentos militares. Centenas de
homens circulavam na Almedina e outros tantos encontravam-se acampados fora das
muralhas., esperando a ordem de partida.
O exército portucalense
reagrupara-se depois do fossado de Peres Cativo e preparava-se para rumar ao
Norte, na ânsia de vingar a derrota de Celmes.
Quase todos estávamos lá
naquele dia. Afonso Henriques, meu tio Ermígio, eu e meus dois irmãos, Peres
Cativo e os prelados Teotónio, Telo e João Peculiar e ainda o bispo Bernardo. A
estes, haviam-se juntado o jovem Pêro Pais, filho de Chamoa, bem como o
cavaleiro vilão que o trouxera desde Tui, Paio Guterres, que o príncipe de
Portugal considerava um valoroso guerreiro.
Só faltava meu pai, Egas
Moniz, que em Guimarães supervisionava já a reunião dos restantes exércitos, e
o Braganção, senhor de Bragança, que prometera juntar-se a nós perto do local
dos combates.
O plano da batalha estava
traçado: marcharíamos para Tui, cercando a cidade e os trava, que lá se reuniam
no Natal. Além da humilhação de Fernão Peres, obteríamos a libertação do nosso
amigo Gonçalo de Sousa, preso nas masmorras do castelo galego.
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