(Domingos Amaral)
Episódio Nº 77
Tui, Setembro de 1133
Os gritos de Gonçalo de Sousa, oriundos das profundezas do castelo de T, há meses que incomodavam a família de Gomes Nunes, sobretudo Chamoa. Atarantada, a minha cunhada, por várias vezes, implorara ao seu tio Fernão Peres, que parasse aquelas torturas.
Nossa Senhora, não aguento mais...
Gonçalo fora trazido para
ali em finais de Abril, logo após a tomada de Celmes pelo rei Afonso VII e era
guardado como valioso refém.
Por debaixo do velho Castelo
de Tui existia uma galeria escura, de pedra granítica, gelada no inverno e
abafada no verão que terminava numa única cela, cheia de argolas e correntes
pregadas nas paredes, onde no ano passado os prisioneiros eram deixados a
apodrecer.
Os actuais habitantes do
castelo chamavam-lhe masmorras, mas na verdade tratava-se apenas de um buraco,
esquecido pela família há anos por falta de uso, onde o Trava decidiu colocar
Gonçalo.
O nosso desgraçado amigo
chegou a Tui ferido, sujo e desgrenhado, a cheirar a suor e a cavalo com
manchas de sangue nas vestes e a cota de malha esburacada, mas nem a intervenção
de Gomes Nunes a pedir alguma clemência a Fernão Peres, alegando que aquele
cheiro imundo ia atrair as ratazanas, teve qualquer efeito.
Gonçalo foi atirado para um
buraco perante o gozo de trava que o avisou das malícias a que ia ser sujeito.
O Velho, vigilante de
Chamoa, logo que a madrugada nascia, deixava um soldado a substitui-lo à porta
do quarto dela, indo cumprir as ordens do nobre galego, que o acompanhava na
descida à masmorra.
Desatavam aos pontapés a
Gonçalo, esticavam as correntes que o prendiam à parede, nos pés e nas mãos, de
modo a ficasse apenas a rasar os costados no chão. Semi-nu, apenas com uns
calções esfarrapados a tapar-lhe os órgãos, o nosso amigo via o Velho
aproximar-se, enquanto ouvia o Trava a cantarolar:
- Sellium, Sellium, lá vais
mais um.
Desde o início, Fernão
Peres, estabelecera uma macabra e lenta punição. Com o punhal de Paio Soares,
onde estava escrita aquela inscrição em latim, o Velho fazia um buraqui nho no corpo de Gonçalo, por dia e por cada
castelhano, leonês ou galego, que os portucalenses tinham morto em Celmes.
- Foram trezentos e sessenta e um, temos par
quase um ano – contabilizava Fernão Peres.
Naquele dia de Setembro,
tinham passado cinco meses, portanto Gonçalo já contava com inúmeros pequenos
cortes, espalhados pelo corpo todo, pontos que pingavam sangue, o que atraía as
ratazanas, que um soldado à entrada da galeria, enxotava.
-Cães tinhosos – rugia o
nosso amigo todas as manhãs.
Aquele inútil e estúpido
desporto continuava, enquanto o Trava se justificava a gomes Nunes, prometendo
só parar no momento em que o preso lhe revelasse os próximos planos de Afonso
Henriques.
- Mas o que sabe ele? –
perguntava o senhor de Toronho.
Certamente que o príncipe de
Portugal se iria vingar da derrota contundente de Celmes, mas como poderia
Gonçalo conhecer o que se preparava, enfiado nas masmorras de Tui?
Perante tantas insistências,
o Trava limitava-se a sorrir e perguntava.
- Gomes Nunes, temeis ser atacado por Afonso
Henriques?
O pai de Chamoa sabia perfeitamente
que Tui seria a primeira paragem do enfurecido regente do Condado Portucalense.
E apostava que Afonso VII nem se ia incomodar com isso, pois não lhe perdoava a
recusa em prestar vassalagem.
Contudo, bem piores do que
esses rumores, eram os berros madrugadores de Gonçalo.
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