terça-feira, outubro 04, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 97




















Nesse momento, ouviram de surpresa uma voz de um dos obscuros cantos daquele edifício de madeira.

- Não foi o Velho, foi a minha irmã.

Os dois templários levantaram-se num ápice, ainda nus e muito atrapalhados, enquanto Fátima saía do seu esconderijo e se aproximava com um sorriso de gozo nos lábios, por os ver assim, frágeis, envergonhados e desamparados.

Contudo, proferiu uma frase tranquilizadora, tentando aliviá-los do desconforto:

 - Sou de Córdova, homens nus nas piscinas era o que mais havia por lá! E o meu bisavô, o poeta Al-Mutamid, também tinha desses gostos.

Explicou que entrara sem fazer barulho e sem notar que ali estava alguém, mas ao vê-los decidiu não se revelar, o seu único desejo era ferrar no sono, pois não o podia fazer em casa.

O Mem está lá a foder a minha irmã...

Os dois templários compuseram-se à pressa, enquanto se espantavam com a revelação seguinte de Fátima. Ao contrário de Zaida, adorava vir ao local onde a mãe morrera.

- Para manter viva a minha raiva ao califa Ali Yusuf – explicou.

Só depois os elucidou. Zaida roubara o punhal do casão, no dia da morte da mãe. Durante vários anos a irmã guardara-o numa arca, mas o Velho assaltara a casa delas há tempos, apoderando-se da misteriosa arma de Paio Soares.

- Haveis visto as inscrições gravadas no cabo? – perguntou Ramiro.

A esperta Fátima não lhe iria revelar tais segredos. Olhou-o com enorme desprezo:

 - Se a Ordem sabe disto...

O bastardo de Paio Soares ripostou, muito irritado:

- É a palavra de uma moura contra a de dois tem0plários!

Fátima sorriu outra vez, sem se atemorizar.

Correm muitos rumores sobre vós, acho que têm mais a perder do que eu. Que me podeis fazer? Já estou presa.

Ramiro e Rato não estavam em condições de suportar uma acusação tão clara, se ela a fizesse em público, por isso calaram-se.

A princesa moura observou-os, o seu espírito fervilhava de curiosidade sobre o que verdadeiramente a interessava.

Os templários vão procurar a relíquia?

Ramiro alegou que Afonso Henriques não os autorizara. Cristãos e muçulmanos iriam fazer uma pausa nos confrontos, pois Zakaria também não estava em condições de atacar Coimbra.

- Isso é que é uma pena... comentou Fátima.

Os templários sabiam que ela era uma apaixonada de Abu Zakaria. Recordando-se que este fora nomeado wali de Santarém pelo califa almorávida de Marraquexe, Ramiro espicaçou-a:

 - Zakaria vendeu-se ao califa! Se um dia vier não será para vos salvar, mas sim para vos matar.

Aquela cortante previsão enfureceu Fátima, que enfrentou os templários, os olhos chispando de fúria.

Cuidado, cristão, posso ir daqui à Sé e denunciar-vos ao bispo.

Ramiro acanhou-se e foi o Rato quem a tentou pacificar.

- Que quereis em troca do vosso silencio? Que procuremos a relíquia para vós?

Obviamente, a oferta dos seus préstimos à princesa, evitando que ela os denunciasse, não passava de uma oportuna trapaça.

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