sexta-feira, outubro 14, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)





Episódio Nº 93



















O que o Rato queria saber era o esconderijo da relíquia, esperando que Fátima se descaísse. Contudo, rápida e atenta, esta limitou-se a dizer:

 - Não sou estúpida, uranista.

Disse-lhes que se fossem embora, pois desejava voltar a dormir. Só tenho paz e sossego junto dos meus fantasmas. A minha mãe e o “assassin” continuam por cá

Com um arrepio na espinha, o Rato dirigiu-se para a saída do casão e Ramiro seguiu-o de cabeça baixa. Já na rua, a culpa que o atormentava voltou a explodir, quando se flagelou:

 - Deitei tudo a perder!

Apesar da hora nona já ir lançada, declarou ao Rato que iria à Sé confessar-se ao bispo Bernardo.

- Que dizeis? – perguntou o colega espantado.

Ramiro abriu os braços, desesperado:

 - Tenho de expiar os meus pecados!

Como um louco desatou a correr, deixando o Rato confundido.

Se Ramiro contasse ao bispo aquelas ternuras masculinas, aí é que se perdia, dificilmente o prelado lhe perdoaria pecados tão graves!

Alarmado, perseguiu o amante pelas ruelas e à porta da Sé ainda tentou demovê-lo daquela abrupta e tonta ideia. Mas Ramiro, sempre de olhar esgazeado, empurrou-o como se dele sentisse asco, gritando:

 - Sois o demónio, afastai-vos de mim!




Naquele dia, o Rato convenceu-se de que Ramiro enlouquecera. E tinha razão. Contudo, as duvidosas acções do bastardo de Paio Soares não eram apenas justificadas pelas suas convulsões íntimas, havia algo mais.

Algo que era superior às perdições individuais dos humanos e que era muito mais vasto e perigoso para o reino de Portugal.

Entusiasmados com a anunciada guerra contra o Trava e Afonso VII, nunca nos passou pela cabeça que era também nestes tortuosos momentos privados, insignificantes e videirinhos, que se jogava o futuro do nosso príncipe e de todos nós.

Como me disse uma vez meu pai, Egas Moniz:

- Lourenço Viegas, o mundo é feito de pessoas e são decisões delas que o fazem avançar, por mais pequenas que sejam. Meu pai tinha razão, como quase sempre, mas naqueles dias nós só pensávamos na guerra que ia começar!


Tui, Março de 1134



O ataque a Tui foi a operação mais mal sucedida que recordo em muitos anos de batalhas portucalenses.

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