sexta-feira, novembro 25, 2016

Como se percebe, tinha carinha de imberbe...
D. Sebastião e  

sua Cruzada a

Alcácer Kibir











Numa tradução livre do espanhol da época escrito por Fernando de Góis Loureiro, abade e seu antigo criado da câmara, que assistiu à batalha:


- “Acossado el-Rey saíu do local da batalha quando tudo já estava concluído e tomou o caminho do Rio Mahacer, para um local onde havia menos gente que poderia acudir e antes de lá chegar, a uma légua da batalha, saíram-lhe uns setenta Alarabes a cavalo que o prenderam sem resistência (quando o que o Rey queria era morrer lutando mas os seus não lho consentiram).

 Uma rixa e controvérsia se deu entre os cavaleiros Alarabes e os Turcos da Guarda do dei Maluco que entretanto chegaram para disputar quem levaria a presa que acabou por ser morta, miseravelmente, pelas mãos dos cavaleiros Alarabes, na idade de vinte e quatro anos, seis meses e catorze dias.

 Depois, o corpo foi encontrado no dia seguinte por Bastion de Resende seu moço de câmara, no mesmo lugar, e reconhecido por todos os seus e eu, como testemunha de vista, também o reconheci ser ele o desditado Rey.

E porque o Rei morreu a uma légua da batalha de onde muitos o viram sair vivo e a cavalo, logo alguns disseram que não era ele o morto e outros, querendo fazer-se sabedores, disseram que ele morreu a batalhar como o afirmou Jerónimo Franchi na sua história de Portugal.”

(Aquilino Ribeiro – Reis de Portugal – Suas Misérias e Grandezas)



Este desfecho era inevitável e previsível. D. Sebastião, como escreveu Filipe II de Espanha, “era um príncipe frio, impotente, destituído de inclinações amorosas e incapaz de amar” e por isso nunca lhe cederia a sua filha para casar embora se tenha desculpado que a mais velha já estava prometida e a segunda só tinha dez anos de idade.

Tomou as rédeas do governo aos catorze anos  - devia ter sido aos vinte -  portanto, contra as cláusulas do testamento do avô.

 «Menino rebelde, impulsivo, desaparafusado, louco dez vezes, herdeiro de uma terrível paranóia congénita» na opinião do seu aio D. Aleixo de Menezes.

Começou a reinar a 20 de Janeiro de 1568, dia de S. Sebastião e o seu ódio aos infiéis era uma obsessão tão grande que o obrigava, ainda de menor idade, a assistir aos Autos de Fé do Santo Ofício.

Os poucos anos da sua juventude viveu-os de forma doentia para acabar exactamente como acabou: morto sem honra nem glória a cinco léguas do campo da batalha, depois desta, muito rapidamente, ter terminado e às mãos de soldados árabes que o disputavam como presa a um grupo de soldados turcos.

Um jovem louco que arrastou na sua loucura um exército e um reino.

Muitos anos mais tarde, outros, nem jovens nem loucos, fizeram a mesma coisa.

Os dois exércitos puseram-se em marcha quase ao mesmo tempo de face um para o outro e reconheceu-se logo a superioridade numérica dos mouros que, convergindo em meia lua, ameaçavam só com os ginetes fechar os portugueses nas suas pontas, e ainda não se via a infantaria, a desdobrar-se por detrás das lombas do terreno.

Quando D. Sebastião mandou tocar a Ave-Maria, dispararam os mouros as suas bombardas, a última palavra em balística.

O estrago não foi grande mas o alarme foi indescritível que se baralharam desde logo as fileiras da peonagem.

Esta, formada por gente das aldeias, tosca, sem o necessário traquejo de armas, enrodilhou-se uma contra a outra como um bando de ovelhas sobre que deu uma alcateia de lobos.

Entretanto a cavalaria atacava a manga dos portugueses a quem D. Sebastião dera instruções rigorosas. – “Daqui ninguém move até nova ordem”.

De modo que aventureiros e mercenários tiveram por assim dizer que aguentar a pé quedo o embate do inimigo.

Um oficial às ordens. Pedro Peixoto, recebeu entretanto esta voz do rei, louca de todo:

 - “Ide dizer a Duarte de Menezes que comece a pegar com os mouros devagar…”

 - “Não direi senão que muito depressa” – retorquiu Peixoto.

Já os portugueses iam ser envolvidos, apareceu Aldana a dizer ao príncipe:

 - “Hombre, ponha-se a salvo. Para que quer a cavalaria? Não vê que vamos morrer aqui todos!...”

 - “Diferente confiança tenho eu na graça de Deus.”

 - “Ora! Ora!

El - rei não se determinava de acometer e um dos fronteiros exclamou de voz turva , apeando-se do cavalo:

 - “Sejam todos testemunhas como me apeio para morrer, porque hoje não é dia de outra coisa.

Dado que a ordem de atacar nunca mais soasse, arrojaram-se como entenderam contra o inimigo.

Era fora de tempo. Pequena resistência encontravam pois os mouros eram por toda a parte.

O Crescente, fora raros e singulares actos de bravura, levava a Cruz de roldão. À voz de Sebastião de Sá mais se atirou par o monte de inimigos:

 - “O meu cavalo não sabe voltar.”

Breve a batalha se tornou em debandada e carnificina cruel e despiedosa. Segundo os autores árabes, os portugueses tiveram 6.000 mortos, quase todos em fuga, como coelhos, e o quase restante do exército aprisionado. Os mouros teriam perdido 18 homens!

É possível tal desproporção? E o Rei? O rei ficara paralisado, como pretende Bento de Sousa no “Doutor Minerva”?

Que papel foi o seu que nunca mais ninguém o enxergou na batalha?

Um seu antigo criado da câmara, Fernando Góis de Loureiro, abade que foi de São Martinho de Soalhães, que assistiu à batalha, no livro que compôs, editado em Mântua:

- “Breve suma y relacion de ias vidas e hechos de los Reys de Portugal”, narra deste jeito o destino do príncipe:

- Começavam a faltar os alimentos, por terem sido reduzidas as rações – a fim de que os homens não perdessem mobilidade – aos três dias que contavam ser necessários para vencer os mouros e reabastecerem-se da frota.

A todas as observações o rei taxava de cobardes. Às vozes mais altas retrucava descabeladamente com ameaças de morte. A um dos seus, João de Sousa, jogou tal lançada que o teria atravessado se não fosse o aço fino da cota.

Mesmo assim, foi decidido que se voltasse a Arzila, contando que a armada ainda se encontrasse no porto. Desgraçadamente a frota tinha levantado ferro para Larache.

No mesmo dia houve grosso alarme no campo e se tocou arma. O rei, exasperado, cometeu os mais incríveis despautérios. Por irrisão do caso, chegou ao acampamento o Capitão Aldana com 500 soldados que mandava o duque de Alba, mas sem armas nem munição alguma de boca. Em compensação trazia-lhe o elmo e o capacete de Carlos V.

Este socorro, que seria providencial noutras condições, agora só lhe servia de estorvo.

Como alimentar o terço? As úteis e idóneas armas tinham ficado nas naus. Por outra, era já tarde para Aldana, Capitão experimentado, corrigir a desastrada estratégia do rei, imprudente acima de tudo e estupidamente sôfrego, ele só, dos louros da vitória.

Tanto assim que deu ordem para a esquadra se abster de entrar em Larache, querendo reservar para si a honra da conquista, quando a todos se computava fácil, precipitando o desembarque, tomar a cidade de um primeiro ímpeto.

No dia 2 acampou o exército em Barkain, cerca de uma “daya”, terreno pantanoso e areento, e começaram a aparecer no horizonte os corredores mouros.

No dia 3 atravessaram o Ued Mehacen pela ponte, movimento de tanto erro que, naturalmente lhes ficava cortada a retirada pois o riacho, ainda que na maré baixa se pudesse passar a vau, não permitia com o alagadiço a manobra das peças nem mesmo da cavalaria. Meia légua adiante da ponte enfrentaram a vanguarda moura.

Um renegado português que aspirava ser restituído à sua terra, veio informar El’Rei do que se passava no arraial mouro e dar-lhe conselhos salutares.

Debalde. O infeliz queria glória, glória sem contradita, glória ganha a peito descoberto, sem os ardis da táctica, nem espécie alguma no combater. O que levou o renegado a comentar nessa noite.

 - Maior é o temor que os mouros têm que razão para tê-lo. No campo cristão há muita lenha e pouco fogo para queimar a Berbérie.

No dia 4, uma segunda-feira, véspera de Nª Sª das Neves, voltaram alguns oficiais a mostrar a D. Sebastião as vantagens que havia em diferir a batalha, tanto mais que era de esperar a deserção do exército do Maluco, às portas da morte, em favor do Xerife, o aliado.

Respondeu-lhes furioso e embravecido. O Xerife mandou ainda um emissário que se esforçou, a seu turno, por convencer El’rei com grande cópia de argumentos, mais convincentes, uns que outros, de quanto tinham a lucrar demorando a batalha. Vinte e quatro horas, senhor…?

Escasseiam os víveres no campo…

- Abatem-se os bois. São demais…

 - Não, há-de ser hoje. E deixem-me, com todos os diabos!



Nota - Tristes tempos estes, os das monarquias absolutas...


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