Numa tradução livre do espanhol da época escrito por Fernando de Góis Loureiro, abade e seu antigo criado da câmara, que assistiu à batalha:
- “Acossado el-Rey saíu do local da batalha quando tudo já estava concluído e tomou o caminho do Rio Mahacer, para um local onde havia menos gente que poderia acudir e antes de lá chegar, a uma légua da batalha, saíram-lhe uns setenta Alarabes a cavalo que o prenderam sem resistência (quando o que o Rey queria era morrer lutando mas os seus não lho consentiram).
Uma rixa e controvérsia se deu entre os cavaleiros Alarabes e
os Turcos da Guarda do dei Maluco que entretanto chegaram para disputar quem
levaria a presa que acabou por ser morta, miseravelmente, pelas mãos dos
cavaleiros Alarabes, na idade de vinte e quatro anos, seis meses e catorze
dias.
Depois, o corpo foi encontrado no dia seguinte por Bastion de
Resende seu moço de câmara, no mesmo lugar, e reconhecido por todos os seus e
eu, como testemunha de vista, também o reconheci ser ele o desditado Rey.
E porque o Rei morreu a uma légua da batalha de onde muitos o viram
sair vivo e a cavalo, logo alguns disseram que não era ele o morto e outros,
querendo fazer-se sabedores, disseram que ele morreu a batalhar como o afirmou
Jerónimo Franchi na sua história de Portugal.”
(A
Este desfecho era inevitável e previsível. D. Sebastião, como escreveu Filipe II de Espanha, “era um príncipe frio, impotente, destituído de inclinações amorosas e incapaz de amar” e por isso nunca lhe cederia a sua filha para casar embora se tenha desculpado que a mais velha já estava prometida e a segunda só tinha dez anos de idade.
Tomou as rédeas do governo aos catorze anos - devia ter
sido aos vinte - portanto, contra as cláusulas do testamento do avô.
«Menino rebelde, impulsivo, desaparafusado, louco dez vezes,
herdeiro de uma terrível paranóia congénita» na opinião do seu
aio D. Aleixo de Menezes.
Começou a reinar a 20 de Janeiro de 1568, dia de S. Sebastião e
o seu ódio aos infiéis era uma obsessão tão grande que o obrigava, ainda
de menor idade, a assistir aos Autos de Fé do Santo Ofício.
Os poucos anos da sua juventude viveu-os de forma doentia para
acabar exactamente como acabou: morto sem honra nem glória a cinco léguas do
campo da batalha, depois desta, muito rapidamente, ter terminado e às mãos de
soldados árabes que o disputavam como presa a um grupo de soldados turcos.
Um jovem louco que arrastou na sua loucura um exército e um
reino.
Muitos anos mais tarde, outros, nem jovens nem loucos, fizeram a
mesma coisa.
Os dois exércitos puseram-se em marcha quase ao mesmo tempo de
face um para o outro e reconheceu-se logo a superioridade numérica dos mouros
que, convergindo em meia lua, ameaçavam só com os ginetes fechar os portugueses
nas suas pontas, e ainda não se via a infantaria, a desdobrar-se por detrás das
lombas do terreno.
Quando D. Sebastião mandou tocar a Ave-Maria, dispararam os mouros
as suas bombardas, a última palavra em
balística.
O estrago não foi
grande mas o alarme foi indescritível que se baralharam desde logo as fileiras
da peonagem.
Esta, formada por gente das aldeias, tosca, sem o necessário
traquejo de armas, enrodilhou-se uma contra a outra como um bando de ovelhas
sobre que deu uma alcateia de lobos.
Entretanto a cavalaria atacava a manga dos portugueses a quem D.
Sebastião dera instruções rigorosas. – “Daqui
ninguém move até nova ordem”.
De modo que aventureiros e mercenários tiveram por assim dizer
que aguentar a pé quedo o embate do inimigo.
Um oficial às ordens. Pedro Peixoto, recebeu entretanto esta voz
do rei, louca de todo:
- “Ide dizer a Duarte de Menezes que comece a pegar com os
mouros devagar…”
- “Não direi senão que muito depressa” – retorqui u Peixoto.
Já os portugueses iam ser envolvidos, apareceu Aldana a dizer ao
príncipe:
- “Hombre, ponha-se a salvo. Para que quer a cavalaria?
Não vê que vamos morrer aqui todos!...”
- “Diferente confiança tenho eu na graça de Deus.”
- “Ora! Ora!
El - rei não se determinava de acometer e um dos fronteiros
exclamou de voz turva , apeando-se do cavalo:
- “Sejam todos testemunhas como me apeio para morrer,
porque hoje não é dia de outra coisa.
Dado que a ordem de atacar nunca mais soasse, arrojaram-se como
entenderam contra o inimigo.
Era fora de tempo. Pequena resistência encontravam pois os
mouros eram por toda a parte.
O Crescente, fora raros e singulares actos de bravura, levava a
Cruz de roldão. À voz de Sebastião de Sá mais se atirou par o monte de
inimigos:
- “O meu cavalo não sabe voltar.”
Breve a batalha se tornou em debandada e carnificina cruel e
despiedosa. Segundo os autores árabes, os portugueses tiveram 6.000 mortos,
quase todos em fuga, como coelhos, e o quase restante do exército aprisionado.
Os mouros teriam perdido 18 homens!
É possível tal desproporção? E o Rei? O rei ficara paralisado,
como pretende Bento de Sousa no “Doutor Minerva”?
Que papel foi o seu que nunca mais ninguém o enxergou na
batalha?
Um seu antigo criado da câmara, Fernando Góis de Loureiro, abade
que foi de São Martinho de Soalhães, que assistiu à batalha, no livro que
compôs, editado em Mântua:
- “Breve suma y relacion de ias vidas e hechos de los Reys de
Portugal”, narra deste jeito o destino do príncipe:
- Começavam a faltar
os alimentos, por terem sido reduzidas as rações – a fim de que os homens não
perdessem mobilidade – aos três dias que contavam ser necessários para vencer
os mouros e reabastecerem-se da frota.
A todas as observações o rei taxava de cobardes. Às vozes mais
altas retrucava descabeladamente com ameaças de morte. A um dos seus, João de
Sousa, jogou tal lançada que o teria atravessado se não fosse o aço fino da
cota.
Mesmo assim, foi decidido que se voltasse a Arzila, contando que
a armada ainda se encontrasse no porto. Desgraçadamente a frota tinha levantado
ferro para Larache.
No mesmo dia houve grosso alarme no campo e se tocou arma. O
rei, exasperado, cometeu os mais incríveis despautérios. Por irrisão do caso,
chegou ao acampamento o Capitão Aldana com 500 soldados que mandava o duque de
Alba, mas sem armas nem munição alguma de boca. Em compensação trazia-lhe o
elmo e o capacete de Carlos V.
Este socorro, que seria providencial noutras condições, agora só
lhe servia de estorvo.
Como alimentar o terço? As úteis e idóneas armas tinham ficado
nas naus. Por outra, era já tarde para Aldana, Capitão experimentado, corrigir
a desastrada estratégia do rei, imprudente acima de tudo e estupidamente
sôfrego, ele só, dos louros da vitória.
Tanto assim que deu ordem para a esquadra se abster de entrar em
Larache, querendo reservar para si a honra da conqui sta,
quando a todos se computava fácil, precipitando o desembarque, tomar a cidade
de um primeiro ímpeto.
No dia 2 acampou o exército em Barkain, cerca de uma “daya”,
terreno pantanoso e areento, e começaram a aparecer no horizonte os corredores
mouros.
No dia 3 atravessaram o Ued Mehacen pela ponte, movimento de
tanto erro que, naturalmente lhes ficava cortada a retirada pois o riacho,
ainda que na maré baixa se pudesse passar a vau, não permitia com o alagadiço a
manobra das peças nem mesmo da cavalaria. Meia légua adiante da ponte
enfrentaram a vanguarda moura.
Um renegado português que aspirava ser restituído à sua terra,
veio informar El’Rei do que se passava no arraial mouro e dar-lhe conselhos
salutares.
Debalde. O infeliz queria glória, glória sem contradita, glória
ganha a peito descoberto, sem os ardis da táctica, nem espécie alguma no
combater. O que levou o renegado a comentar nessa noite.
- Maior é o temor que os mouros têm que razão para tê-lo.
No campo cristão há muita lenha e pouco fogo para queimar a Berbérie.
No dia 4, uma segunda-feira, véspera de Nª Sª das Neves,
voltaram alguns oficiais a mostrar a D. Sebastião as vantagens que havia em
diferir a batalha, tanto mais que era de esperar a deserção do exército do
Maluco, às portas da morte, em favor do Xerife, o aliado.
Respondeu-lhes furioso e embravecido. O Xerife mandou ainda um
emissário que se esforçou, a seu turno, por convencer El’rei com grande cópia
de argumentos, mais convincentes, uns que outros, de quanto tinham a lucrar
demorando a batalha. Vinte e quatro horas, senhor…?
Escasseiam os víveres no campo…
- Abatem-se os bois. São demais…
- Não, há-de ser hoje. E deixem-me, com todos os diabos!
Nota - Tristes tempos estes, os das monarquias absolutas...
Nota - Tristes tempos estes, os das monarquias absolutas...
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