Somos “escravos” da nossa infância que nos persegue por toda a vida e quanto mais ela se prolonga mais se acentua na nossa memória. A noite de Natal, especialmente esta, mais que o dia que já tem foros de ressaca da noite anterior, é “terrível” neste aspecto.
Cada um de nós terá as suas experiências pessoais, umas mais
felizes que outras, mas temos o condão de valorizá-las a todas porque éramos
crianças e era Natal...
Parece evidente que os tempos modernos retiraram um certo
romantismo à época natalícia que dificilmente resiste às grandes cidades, aos
grandes prédios, aos pequenos apartamentos e à ausência de uma lareira à volta
da qual a família se reunia.
Eu tive sorte, vivi esses ambientes na casa dos meus avós numa
aldeia da Beira Baixa, onde passava as férias do Natal, juntamente com o meu
irmão e os meus primos.
Essas recordações alegram-me, preenchem-me porque uma aldeia é
uma família muito grande onde todos são aparentados. Podia andar-se de casa em
casa e em todas elas nos esperavam os fritos acabados de fazer e o acolhimento
caloroso que nos dispensavam porque ainda éramos primos ou sobrinhos e...
porque era Natal.
Vivemos de memórias da juventude e chegamos à velhice através de
um salto enorme como se no meio nada tivesse existido, uma história de princípio
e fim cujo meio perdeu importância. Que importa o que se viveu se já está
vivido e nada podemos fazer para alterar seja o que for?... Chegámos aqui e de tudo o que passou o que nos salta à
lembrança é o princípio, porque ele teve a magia, percebo-o agora, de nos ter
permitido todos os sonhos, todos os projectos de futuro que nos pareciam tão fáceis
de alcançar.
Gostei muito de ter nascido quando nasci e ter vivido o que
vivi, especialmente, porque estando no Natal de 1976, é oportuno recordar os
Natais de 1963 e 64, lá nas “terras do fim do mundo”, no Alto Zambeze, no coração
de África, continente dos meus encantos, entre a família alargada dos soldados
do meu Destacamento, e no meio das lembranças das nossas casas a um continente
de distância...
As saudades fazem-nos sonhar, iludem-nos, dão-nos a parte boa da
vida pela qual suspirávamos. A realidade se encarregaria de mostrar, na maioria
dos casos, como as saudades eram boas e que não teria sido assim tão mau se pudéssemos
ter ficado apenas nelas.
O Natal é a família e mais de meio século depois quantos
desgostos de família não aconteceram aos que partilharam comigo os Natais de 63
e de 64: ódios, zangas, conflitos, mas o pior de tudo foram aqueles que se
ausentaram e para quem os Natais se acabaram e, como normalmente acontece nestas
coisas, foram os melhores... Para todos eles, o meu pensamento neste momento e a garantia de que
aqui continuarão enquanto eu tiver Natal.
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