Mário Soares
Um entrevistado da rua, ontem, enquanto decorria o cortejo fúnebre de Mário Soares, resolveu chamar-lhe "ladrão de Cahora Bassa", entre outros "mimos", prestando-lhe, desta maneira, uma homenagem que não era sua intenção pois, ao referir-se-lhe por estas palavras, estava a esquecer-se que fora ele, Mário Soares que com a sua luta e pondo em risco a sua liberdade, tinha ajudado a acabar com a PIDE, a Censura, a Legião que o teriam logo metido na cadeia se ele falasse assim quando o Salazar foi a enterrar...
Com quase 78 anos de idade acompanhei a vida deste país em toda as suas vicissitudes no antes e depois da Revolução dos Cravos em 1974, no antes e depois da descolonização da qual fui vítima pois regressei a Portugal com aquilo que tinha vestido mas, felizmente, na qualidade de funcionário do Estado que nunca deixei de ser, e aquele senhor que falou para os microfones da Televisão Pública também tinha idade para se recordar de tudo desses tempos.
Vingar-me dos meus prejuízos por essa saída intempestiva de Moçambique em 1975, primeiro na pessoa e depois na memória de Mário Soares, seria o mais fácil para os meus instintos de animal vingativo, mas completamente não só incorrecto como igualmente injusto.
Tudo o que aconteceu foi da responsabilidade da política colonial de Salazar e Caetano, e Mário Soares como adversário político não foi metido nem achado, pelo contrário.
Aqui, a dificuldade, é fazer o diagnóstico certo para não se cometerem atropelos e fazer acusações disparatadas, filhas do ódio irracional que absolve Pides levando-os à qualidade de heróis e incrimina os democratas que se sacrificaram pela liberdade do país.
Havia muita gente que tal como Mário Soares e eu eram contra o regime ditatorial e a favor da inevitável independência das colónias, directa ou em versão mitigada de autonomia que viria, em pouco tempo, a dar precisamente no mesmo, mas faltava-nos a coragem, a competência e a capacidade para liderar um projecto de assalto ao poder que o povo português, em Abril de 1974, acabou por tomar nas suas próprias mãos.
Mário Soares, pelo seu passado e credenciais, estava destinado a ser um dos que iria assumir funções de liderança no novo Portugal... foi agora a enterrar aos 92 anos!.
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